A fintech do Cazaquistão tem uma forte campanha de marketing alavancada na aliciante promessa de uma remuneração financeira de 6,4%, muito acima do mercado. Promessa possível através do investimento em produtos de dívida. Assim, a plataforma de investimento Freedom24 conseguiu ultrapassar os 300 mil clientes na Europa, dos quais 10% se encontram em Portugal e Espanha.
Ao SAPO24 explica que “nos últimos anos, o dinheiro, tal como as taxas de juro sem risco, estiveram perto de zero durante um longo período de tempo e, na verdade, os centros financeiros estavam num nível muito, muito baixo, menos de 1% para a maioria dos produtos de poupança”.
E que mesmo sendo os portugueses conhecidos por ter um perfil mais conservador, há muita procura por produtos da Freedom como taxas financeiras overnight seguras (SOFR) como o principal indicador do mercado monetário para a Europa e também para os EUA. “Oferecemos alguns tipos de produtos aos clientes com base nessa taxa SOFR, quando se pode colocar dinheiro por alguns dias e obter essa taxa. E até algumas taxas mais altas, como um mais dois por cento para software para colocações de longo prazo, se tiver depósitos de 12 meses, pode ganhar este software que está perto de quatro por cento e mais dois por cento adicionais.”
Para o dono de 71% da Freedom, a procura no mercado português explica-se de forma simples. “Muitos bancos portugueses não gostam de reavaliar a sua carteira de depósitos, por isso emprestam muito dinheiro, muitas hipotecas, muitos empréstimos comerciais, taxas de juros muito baixas, muitas delas menos de 3%, menos de 4%. E mesmo numa nova normalidade, quando o custo destas taxas se tornou muito mais elevado, estão a tentar pagar aos seus clientes o mais baixo possível para reduzirem as despesas com juros, para não terem perdas numa situação em que já têm muitos títulos, empréstimos e balanços com taxas de juros muito baixas. Se começarem a reavaliar todos os depósitos para a nova normalidade do mercado, na verdade, sofrerão muito com isso.”
Presente um pouco por toda a Europa, Portugal não escapa a Timur Turlov, onde tem residência, e onde no passado disse querer comprar um banco. Contudo, meio ano depois, ao SAPO24 diz que o processo ainda não foi iniciado porque ainda não há nenhum acordo quanto ao objetivo. Mas assegura que não desistiu da ideia e que em 2025 fará nova tentativa. Embora deixe a ressalva de que, não obstante o mercado português seja o preferido, está a avaliar “diferentes oportunidades em diferentes mercados”.
É que a compra não depende só de si, e depois de encontrar o “alvo certo” tem de “receber o conforto dos reguladores” o que pode demorar algum tempo. Lembra o exemplo da Revolut que “mantém conversas com o Banco de Inglaterra há três anos e meio”.
Mas garante que mesmo de escopo mais aberto, Portugal continua debaixo de olho. “Adoramos o ambiente português, adoramos as oportunidades do mercado porque parece que em Portugal ainda há muito espaço para crescer. Há muito espaço para melhorar em qualquer banca”, mas Portugal tem uma coisa que lhe interessa particularmente: “jurisdição europeia totalmente respeitável”.
Crescimento não pára, polémicas à parte
Ter um nome respeitável e confiável é particularmente importante para o homem que mudou a nacionalidade para o Cazaquistão, onde criou a Freedom Holding Corp, para depois a sediar no Chipre. A respeitabilidade do nome da empresa surge com mais intensidade depois de ter sido publicado um relatório da Hindenburg Research acerca da Freedom Holding Corp onde estavam listadas algumas preocupações como evidências de que a Freedom tinha desrespeitado as sanções impostas ao mercado russo, que usava fundos de clientes em apostas de mercado altamente alavancadas, ilíquidas e arriscadas, e apresenta sinais de manipulação de mercado tanto nos seus investimentos como nas suas ações negociadas em bolsa.
A juntar a isso, surgiram notícias que diziam estar a ser investigada pelo Departamento de Estado americano, embora Timur Turlov sempre tenha garantido nunca ter sido notificado. Agora, quando confrontado com o tema, mostra-se saturado daquilo que, ao SAPO24, diz ser uma “uma especulação muito pobre, porque na verdade nunca fomos notificados e nunca ouvimos falar de ninguém sobre a existência disso”.
Mas garante que embora essa especulação dure até hoje, não é mais que isso mesmo, e que nem sequer teve grandes consequências na estrutura. Até porque “fomos apoiados e auditados por pessoas respeitáveis. A Deloitte ainda está connosco, os principais escritórios de advocacia estão connosco…” E aproveita para concluir em jeito de regozijo e recado a quem, acredita, terá lançado o boato: “na verdade, passámos por muitas verificações regulamentares diferentes em todo o mundo, incluindo os EUA, com sucesso. Mesmo que fôssemos investigados, porque isso acontece de vez em quando com muitas empresas públicas sem que haja nada de errado com isso. Mas não parece que essas informações estejam certas, se estamos a passar por isso sem quaisquer consequências graves.”
Defende ainda não ter perdido negócio à custa destas notícias, apenas “muitas discussões com algumas agências de rating, e o SNPS manteve por um longo período uma perspetiva negativa potencial para o nosso rating por causa desse medo, mas nunca foi concretizado e agora temos uma perspetiva positiva à nossa classificação de crédito”. E, em tom irónico, termina a agradecer: “agora temos um negócio muito maior do que antes. Obrigado. “
As polémicas e acusações de que tem sido alvo aparentam não afetar o negócio, nem mesmo o facto de fazer parte da lista de sanções russas. Um tema que parece apenas atrapalhar quando dá entrevistas em países membros da União Europeia. Ao Eco, no início do ano, tinha garantido continuar a ajudar o povo ucraniano mesmo quando este não quer a sua ajuda. Ao SAPO24, explica que essa ajuda se materializa em apoios a instituições de caridade que “fazem a diferença”.
“Sei que durante o último ano, por exemplo, construímos muitos abrigos em escolas e universidades em toda a Ucrânia. Trabalhamos com alguns fundos para fornecer isso, como ambulâncias, para fornecer alguma consultoria e material e apoio de consultoria para crianças, para famílias que perderam os pais durante a guerra.”
Críptico em relação para que lado pende no xadrez geopolítico, fala num “grande desastre” e “injustiça” e que, por isso, tenta ajudar como pode. Consequência da lista de sanções? Apenas prejudica a Ucrânia, afiança. “Afeta a nossa capacidade de investir na Ucrânia.”
Mas só isso, segundo afirma. “Continuamos a crescer, continuamos a desenvolver-nos. Seria mais fácil para nós desenvolvermo-nos sem isso? Talvez. Não sabemos isso em termos de história. Infelizmente, é difícil estimar como isso nos afeta ou não.”
Mas, repete, “impede-nos de fornecer alguns investimentos especificamente à Ucrânia, o que ainda pretendíamos fazer, mas não conseguimos. E isso é muito estranho porque na verdade restringiram-nos de investir na Ucrânia. Essas são as únicas consequências reais disso.”
À conquista da Europa e de novos mercados
Timur Turlov fala do Cazaquistão como o “grande laboratório” e sempre que é confrontado com a falta de regulamentação do país ou a dementação a algumas garantias, começa a desbaratar com o modernismo e a digitalização do país. Para, de seguida, assegurar que as várias experiências que tem feito no país são para levar a toda a Europa. “É a nossa principal prioridade porque já licenciámos e já atendemos centenas de milhares de clientes na Europa, queremos oferecer-lhes pelo menos a experiência bancária digital.”
O banco digital é o filho predileto do pai da Freedom24, mas não quer ficar por aí. Na mesma lista inclui a “experiência de sucesso em seguros de vida no Cazaquistão”, “a integração de diferentes serviços de estilo de vida e comércio eletrónico, como emissão de bilhetes, supermercado eletrónico, etc”
Contudo é no comércio eletrónico digital que vê a grande novidade para outros mercados e exemplifica, “para que se possa pré-encomendar o novo iPhone, comprar agora e pagar mais tarde”.
Neste modelo são já reis no país. “Temos a maior plataforma de compra e pagamento do Cazaquistão e muita experiência em facilitação de pagamentos com cartão de crédito, sendo o maior fornecedor de pagamentos de comércio eletrónico no Cazaquistão”, assegura. País onde adquiriram mais de 50% de todas as aquisições de cartões de comércio eletrónico Visa e MasterCard.
E esta experiência asiática deixa-o confiante para competir no mercado europeu, faltando apenas a tão desejada licença bancária, "poderemos colocar o nosso processador terceirizado para Visa e Mastercard porque é uma tecnologia bastante padronizada. Não há necessidade de se adaptar a algo europeu”.
E uma vez que a Visa e a Mastercard têm regulamentação global, atesta, “se faço isto muito bem no Cazaquistão, definitivamente posso fazer isto muito bem em quase todos os lugares”. Acrescentando que nos EUA faz parte dos 10 processadores de cartões usados pela maioria dos bancos, tendo neste momento uma equipa de 200 pessoas a trabalhar em exclusivo no negócio de processamento de cartões, numa tecnologia construída no Cazaquistão.
Timur Turlov volta à necessidade, e ao desejo, de uma licença bancária em Portugal. “É um negócio lucrativo no Cazaquistão, provavelmente também podemos expandi-lo para Portugal, para outros países europeus. Se conseguirmos uma licença, teremos uma tecnologia e poderemos copiar e colar.”
Embora entenda que “o ambiente competitivo é muito diferente”, a “abordagem tecnológica democratiza o trabalho de alguma forma”. E, vangloriando mais uma vez o país onde escolheu ter passaporte e criar empresa, de forma surpreendente, assegura que “a forma da Nasdaq operar não é muito diferente da Bolsa de Valores do Cazaquistão”.
“É claro que a Nasdaq tem um volume de negócios muito maior. Volume de negociação muito mais pesado. Mas a arquitetura de negociação é completamente a mesma”. E se, por um lado, “não é tão robusta”, por outro “é mais estável”.
Mas se ao longo de 15 anos, as conquistas têm sido várias, tantas quantas os terrenos a desbravar, a maior de Timur continua a ser não só chegar à Nasdaq, mas “manter essa listagem". "Sabemos que muitas empresas, muitas empresas que se tornaram públicas nos EUA por algum motivo abandonaram essa listagem e tornaram-se privadas, ou foram retiradas da lista por algum motivo", aponta.
Ao SAPO24 reconhece as complicações associadas aos requisitos e o dinheiro envolvidos. E até é capaz de imaginar uma vida “mais fácil” num mundo onde não estivesse listado. “Pagaríamos menos impostos, gastaríamos menos dinheiro com advogados, auditores, faríamos tudo muito mais rápido se não fossemos listados. Gastávamos, pelo menos, menos 20 milhões de dólares por ano se fôssemos uma empresa privada”.
Mas, num raro momento onde muda o olhar e deixa transparecer algum orgulho, reconhece que embora ainda não tenham conseguido ter acesso a alguns clientes, contrapartes e empresas, “a Nasdaq exige que mantenhamos um padrão governamental muito elevado”. E, provavelmente, esses clientes nunca estariam no seu escopo de possibilidades sem a Nasdaq, “abriu-nos uma oportunidade que nunca estaria aberta se não fossemos públicos”.
“Tornou a empresa melhor e mais sustentável, é definitivamente uma transformação para o bem.”
*O SAPO24 viajou para o aniversário de 5 anos da entrada da Freedom Holding Corp na Nasdaq a convite da Freedom24
Comentários