“Sem prejuízo de uma análise em detalhe da decisão de hoje do Tribunal Constitucional alemão, reafirmamos a primazia da lei europeia e o facto de os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia. A Comissão Europeia sempre respeitou a independência do BCE na sua implementação de política monetária”, afirmou o porta-voz do executivo comunitário.

Eric Mamer respondia, na conferência de imprensa diária da Comissão, a questões sobre a sentença de hoje do Tribunal Constitucional alemão, que exigiu ao Banco Central Europeu (BCE) para, no prazo de três meses, justificar a conformidade do seu mandato para as vastas compras de dívida, numa sentença com implicações incertas.

No passado, e face a dúvidas já levantadas pelo Tribunal Constitucional alemão sobre os programas de compra de ativos do BCE, o Tribunal de Justiça da UE considerou que os mesmos não violam o direito da União.

Apesar da insistência das questões, designadamente sobre os potenciais efeitos que a mesma pode ter na assistência aos Estados-membros no atual contexto da crise provocada pela pandemia da covid-19, o porta-voz principal da Comissão escusou-se a tecer mais comentários, “dada a complexidade da questão” e o facto de a sentença ter sido conhecida hoje.

“Vamos agora estudar esta sentença nacional do Tribunal Constitucional alemão de forma mais detalhada. Dada a complexidade da matéria, esta é para já a nossa única reação.

Entretanto, o Banco Central Europeu (BCE) está "a analisar" a decisão do Tribunal Constitucional alemão. "O BCE está a analisar a decisão e irá comentar a seu tempo", afirmou fonte oficial do BCE à Lusa, sem adiantar mais pormenores.

Os juízes de Karlsruhe pronunciaram-se hoje sobre os “Asset Purchase Programs” (APP) criados por Mario Draghi entre 2015 e 2019 depois de um grupo de dois mil queixosos, encabeçado por economistas e professores de Direito, darem início a este processo por duvidarem que o programa respeite a lei fundamental alemã.

Os especialistas argumentam que a compra de ativos é ilegal por se tratar de financiamento monetário dos Estados-membros, uma vez que cada um dos bancos centrais da zona euro compra, com o apoio do BCE, dívida emitida pelos respetivos Estados.

Esta prática está proibida nos tratados europeus, mas o BCE argumenta que os bancos centrais da zona euro, ao comprar a dívida no mercado secundário, e não diretamente aos Estados-membros, não está a cometer qualquer ilegalidade.

Em 2017, o Tribunal Constitucional, assumiu ter dúvidas de que a compra de ativos fosse compatível com a proibição de financiamento monetário, reencaminhando a sentença para o Tribunal de Justiça Europeu (TJE).

O TJE pronunciou-se a favor do BCE e coube agora à entidade máxima de justiça alemã interpretar a sentença à luz da sua Constituição.

À luz da sentença de hoje do Tribunal Constitucional alemão, o poderoso banco central alemão será proibido de participar no programa anti-crise de compra de dívida, que ainda ganhou mais amplitude devido à pandemia da covid-19, se “o Conselho do BCE” falhar em demonstrar “de maneira compreensiva e substancial” que "não excedeu os tratados europeus”, decidiu a jurisdição suprema alemã.

Com esta sentença, o Tribunal alemão declarou que o programa de compra de dívida do BCE, adotado em 2015, é parcialmente contrário à Constituição da Alemanha, mas sublinhou que "não foi capaz de estabelecer uma violação" pelo BCE da proibição de financiar diretamente os Estados europeus.

Contudo, a decisão do Tribunal, votada por uma maioria de sete contra um, indica que o programa do BCE excedeu os seus poderes sem considerar a proporcionalidade da medida como uma ferramenta para aumentar a taxa de inflação para cerca de 2%.

O Tribunal considera "duvidosa" a competência do BCE para recomprar massivamente a dívida pública, que representou a maior parte dos 2.600 mil milhões de euros de compras de obrigações operadas entre março de 2015 e dezembro de 2018, no âmbito do programa "Quantitative Easing" ou "QE" reativado em novembro de 2019.

Em particular, os magistrados alemães recusam cumprir o parecer do Tribunal de Justiça Europeu, que tinha aprovado o programa do BCE no final de 2018, e lamentam a falta de controlo do "QE" pelo Parlamento alemão.

O presidente do TC alemão, Andreas Voßkuhle, sublinhou, quando divulgou a sentença, que a Constituição da Alemanha não foi cumprida porque o Governo e o Parlamento alemão não reviram as decisões do Conselho do BCE.

A sentença proferida hoje "não diz respeito" ao programa de emergência contra a pandemia (PEPP) anunciado em meados de março pelo BCE de 750 biliões de euros até o final do ano, recordam os magistrados alemães.

O programa de compra de ativos do BCE tem sido determinante para manter as taxas de juro da dívida dos países da zona euro mais endividados em níveis baixos.

(Notícia corrigida às 17h50)