“A gestão do NB [Novo Banco] com financiamento público não salvaguardou o interesse público, por não ter sido otimizado (minimizado) o recurso a esse financiamento, através da verificação das condições identificadas pelo tribunal, em consonância com os termos solicitados pela Assembleia da República”, lê-se nas conclusões de uma auditoria realizada pelo TdC ao Novo Banco.
Segundo aquele tribunal, “em operações do NB identificaram-se riscos de conflito de interesses e potenciais impedimentos”, tendo-se ainda detetado “práticas que, sendo evitáveis pela gestão do NB, oneraram o financiamento público”.
“Operações realizadas pelo NB revelam riscos de conflito de interesses e potenciais impedimentos”, sustenta o TdC, apontando, entre vários exemplos, “algumas relações que se estabeleceram entre assessores, investidores participantes na fase vinculativa e gestores de ativos intervenientes no Projeto Viriato”.
Segundo se lê no relatório, “não tendo implementado critérios mais rigorosos de controlo dos beneficiários efetivos do que os legais, mantém-se o risco de o NB estabelecer essas relações com organismos de investimento coletivo ou entidades societárias cujos detentores do capital sejam também detentores, diretos ou indiretos, do capital de entidades do Grupo Lone Star, apesar do apoio público e do dever de transparência a que, enquanto beneficiário desse apoio, está obrigado”.
Já no que diz respeito às práticas da gestão do NB, o TdC diz ter detetado algumas que, “sendo evitáveis, oneraram o financiamento público”: “Por exemplo, em 2021, os órgãos de gestão do NB podiam ter decidido pela divulgação de uma contingência fiscal ao invés de a terem registado nas demonstrações financeiras do ano, protegendo a degradação dos rácios de capital e diminuindo o recurso ao financiamento público”, concretiza.
Outro exemplo de inconformidade de gestão avançado pelo TdC é, “em 2020, a alteração da estratégia para a atividade do NB em Espanha (transição para operações descontinuadas com o objetivo da sua alienação)”.
De acordo com o tribunal, este caso “não só constituiu uma decisão discricionária dos órgãos de administração do NB, como contrariou o compromisso assumido pelo Estado perante a CE, visando a sua não oposição à venda do NB e aos inerentes auxílios de Estado, de preservar aquela atividade durante todo o período de reestruturação, ou seja, pelo menos até ao final de 2021”.
“Decorrido um ano” desde a primeira auditoria ao processo de financiamento público do Novo Banco, o TdC nota ainda que “ainda não foi acatado o recomendado […] sobre demonstração e validação do valor a financiar, comunicação da imputação de responsabilidades, segregação de funções e riscos de complacência ou de conflito de interesses”.
Segundo salienta, “a pertinência do recomendado fica patente quando, em 2021, o FdR [Fundo de Resolução] identifica um conjunto de questões sobre atos do NB, que o levaram a não pagar 169 milhões de euros do montante pedido pelo NB, revelando maior escrutínio do que o realizado em anos anteriores”.
“Mesmo assim, sem a demonstração do cálculo do valor a financiar, suportada pela relação dos atos de gestão do NB com impacto material nesse cálculo […], o procedimento de validação fica incompleto e insuficiente, pois o conhecimento avulso de atos de gestão com esse impacto não impede a existência de outros atos para os quais seja necessário o mesmo escrutínio”, sustenta.
“Com efeito – acrescenta – a inconsistência detetada sobre os principais impactos para os 209 milhões de euros pedidos pelo NB ao FdR, em 2022, é grave e revela não só a falibilidade da avaliação avulsa ou parcial de atos de gestão do NB, como, sobretudo, o risco material de o FdR, validando o valor pedido pelo NB sem avaliação completa dos atos de gestão com impacto nesse montante, incorrer em desnecessário dispêndio de recursos públicos obtidos com endividamento”.
Neste sentido, o TdC salienta a importância de “o reconhecimento das funções do Tribunal de Contas, por exemplo através de solicitações da Assembleia da República para realizar auditorias, seja extensivo ao acolhimento das recomendações formuladas para corrigir as deficiências detetadas através das auditorias realizadas”.
Estado e Banco de Portugal não garantiram “controlo público eficaz”
“À data da venda do NB [Novo Banco], a avaliação e valorização dos ativos registados no balanço não eram adequadas e exigiam a constituição de provisões para potenciais perdas. Ora, nem o Estado, nos compromissos assumidos perante a CE [Comissão Europeia], nem o Banco de Portugal (BdP), na negociação do ACC [Acordo de Capitalização Contingente], salvaguardaram a minimização do recurso ao apoio financeiro público, assegurando controlo público eficaz”, lê-se nas conclusões do TdC.
De acordo com o relatório daquele tribunal, “em 2018 e 2019 o NB vendeu ativos com desconto de 75% face ao valor nominal ou valor contabilístico bruto e de 33% face ao valor contabilístico líquido de imparidades”, não tendo sido “demonstrado que a estratégia de redução de ativos através de vendas em carteira fosse eficaz e eficiente na prossecução do princípio da minimização das perdas/maximização do valor dos ativos”.
Prova disso é que, “nas revendas realizadas, os compradores do património imobiliário, incluído em duas carteiras, obtiveram mais-valias iguais ou superiores a 60%”, sustenta.
De acordo com o relatório da auditoria, não há “evidência de um exercício sistemático” por parte do Fundo de Resolução (FdR) do direito, consagrado no ACC, de “diretamente ou através de ‘um contabilista independente’, analisar as contas do NB, incluindo as ‘perdas por imparidade’”.
Assim, concluiu o TdC, “sem o controlo sistemático e independente dessas contas, que refletem a atividade geral do banco, o FdR, descurou a função de minimizar o recurso ao mecanismo de capitalização. Agrava esta situação o FdR ter pagado ao NB montantes sem demonstração apropriada”.
No documento, o TdC sublinhou que o recurso ao mecanismo de capitalização contingente pelo NB, “sem contrapartida, tem eliminado os impactos negativos das operações no capital do banco e tem possibilitado a prossecução de objetivos de ativos não produtivos mais ambiciosos do que os assumidos pelo Estado perante a CE, com base no plano de reestruturação da Lone Star”, algo que, em conjunto com uma “falta de controlo eficaz” por parte do FdR, “tem vindo a potenciar o risco de gestão orientada para maximizar o recurso ao financiamento público”.
O relatório deu ainda conta de que não foram evitadas “deficiências importantes na avaliação e na valorização contabilística dos ativos, antes da venda, cujas medidas corretivas antecipavam mais perdas prudenciais (2.057 milhões de euros em 2017)” e que à data da venda do NB a “avaliação e valorização dos ativos registados no balanço não era adequada e exigia a constituição de provisões para fazer face a potenciais perdas”.
“Ora, nem o Estado, nos compromissos assumidos perante a CE, nem o BdP, na negociação do ACC, salvaguardaram a minimização do recurso ao apoio financeiro público, assegurando controlo público eficaz”, disse o TdC.
O TdC apontou “fragilidades” nos processos de venda da carteira do NB, nomeadamente não estarem abertos a “todos os potenciais interessados, mas apenas aos investidores convidados, sem divulgação pública dessa abertura”, e os assessores do banco terem sido contratados por concorrentes e compradores para a gestão dos ativos “após operações de venda”, além de “nem todas as condições suscetíveis de influenciar a apresentação de propostas serem comunicadas aos investidores convidados”.
Estas conclusões constam de um relatório do TdC efetuado na sequência de uma auditoria solicitada pela Assembleia da República e que constitui o segundo exame deste tribunal ao financiamento público do Novo Banco pelo Fundo de Resolução (FdR), ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente (ACC) celebrado por ambos em 18/10/2017.
A auditoria teve por objetivo “avaliar se a gestão do NB com financiamento público salvaguardou o interesse público, o que, para o tribunal e nos termos solicitados pelo Parlamento, significa otimizar (minimizar) o recurso a esse financiamento”.
Esta otimização deveria ser verificada através uma adequada avaliação e valorização contabilística dos ativos e adequado reconhecimento de perdas nos ativos, por imparidade, da venda de ativos sem prejudicar o balanço do banco (sem perdas), da inexistência de conflitos de interesses e de complacência e de práticas destinadas a acionar o mecanismo de capital contingente, assim como de um “eficaz controlo público (incluindo acatar o recomendado pelo tribunal)”.
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