Em 2018, uma iniciativa sobressaiu na frente ambiental: o combate ao plástico. Multiplicaram-se ações de sensibilização, Estados e empresas assumiram alguns compromissos e os consumidores - sobre quem recai a esperança maior de pressão para a mudança - aderiram a várias alterações de comportamento. A Eco é uma marca que nasceu neste contexto com uma proposta de alteração de comportamentos no consumo de água engarrafada. Em Portugal a ideia é nova, noutros países como os Estados Unidos já tem alguns anos. Aliás, foi nos Estados Unidos que André Paiva se inspirou para arrancar com uma solução de água filtrada vendida numa garrafa que, sendo de plástico, tem uma durabilidade superior (até 18 meses) e foi concebida para ser reutilizada nos espaços de distribuição aderentes.
Tudo começou há três anos e ganhou forma em 2018. “Trabalhei quase sempre para grandes retalhistas, na Jerónimo Martins, na Walmart no Brasil, o que me deu um conhecimento grande daquilo que é esta operação. E a determinada altura, pensei ‘já aprendi qualquer coisa, agora gostava de fazer alguma coisa pela minha mão’. E quando chegou a esse ponto, achei que deveria trazer conceitos que fazem falta no nosso mercado . Numa visita ao mercado dos Estados Unidos apercebi-me deste conceito de compra de água filtrada. Olhei para aquilo e pensei “É uma máquina que não é bonita, mas o que está por trás da ideia é genial, é uma ideia brilhante!’”, conta o gestor e um dos promotores da marca Eco.
Começou assim um projeto que se estreou no mercado no final deste verão com uma parceria, para já exclusiva, com o grupo Jerónimo Martins com presença nos supermercados da cadeia Pingo Doce. No primeiro ano, a marca prevê faturar 2,5 milhões de euros. O investimento é de cinco milhões de euros, com o objectivo de alcançar 500 unidades de estações de fornecimento de água filtrada em sistema 'self-service'. E por cada 100 máquinas instaladas, a estimativa é que se "poupem" cinco milhões de garrafas por ano.
O que a Eco fez diferente, face ao modelo americano em que se inspirou, foi precisamente criar uma garrafa reutilizável e adaptada para ser abastecida na estação de filtragem da água. "Nos EUA ainda permitem que qualquer garrafa seja usada, o que tem a ver com os hábitos de consumo locais”, explica André Paiva. Mas não ficam por aqui as diferenças entre os dois mercados. Portugal tem uma qualidade de água de rede muito boa, e, ao mesmo tempo, um dos níveis mais elevados da Europa de consumo de água pré-engarrafada. Ou seja, a água de rede que temos disponível nas nossas casas ou outros locais é de boa qualidade - a chamada água da torneira -, mas o público em geral habituou-se a beber água pré-engarrafada. Não é por acaso que Portugal está no top 5 europeu de consumo de água engarrafada.
O que, à partida, surge como um obstáculo para uma empresa que propõe um outro produto que não é nem a água de rede direta, nem a água pré-engarrafada. “Nós pomos à disposição uma nova forma de beber água. Na prática, o que é que sabemos? Que a água é excelente, ou seja, o produto que nós temos para filtrar é excelente, o que nos traz uma ótima garantia para aquilo que é o nosso produto final. Por outro lado, sabemos também que o consumidor está previamente disposto para ir a uma superfície comercial comprar água pré-engarrafada”. O que faz com que o desafio seja convencer os consumidores a deixar de comprar garrafas de água à la carte e usar uma mesma garrafa para esse consumo. Principal argumento: preço e a proposta de “uma forma de consumir inovadora e sustentável, por oposição àquilo que é o descarte de uma embalagem”.
Mudar hábitos é das tarefas mais difíceis e a distribuição sabe isso melhor do que ninguém. É por essa razão que os promotores da Eco apostaram forte no conceito do produto, neste caso a garrafa, que consideram decisivo para que os consumidores elenquem como opção alternativa. “Para fazer as pessoas alterarem hábitos, os produtos têm de ser cómodos, bonitos, apetecíveis e ter um preço acessível. Se juntar as três coisas, as pessoas vão querer, senão não querem”, considera Pedro Ferreira Pinto, também fundador da New Water Project, empresa que detém a marca Eco.
Foi assim desenhada e produzida uma garrafa com capacidade de três litros, especialmente concebida para reter água para ser reutilizada. “As paredes são mais fortes, e a redoma não tem arestas. Tem um filtro UV, portanto, tem proteção suplementar para os raios UV”.
A garrafa é comprada na primeira vez que o consumidor adquire água filtrada. O custo é um euro e inclui os primeiros três litros de água filtrada e a partir daquele momento pode usar a garrafa sempre que entender dentro do tempo de vida previsto para o recipiente. A garrafa ao ser comprada está selada. Depois é só abastecer. A cavidade da máquina tem um encaixe para a garrafa, que é diferente das outras.
A vez seguinte que o consumidor usar a garrafa tem um custo de 18 cêntimos, que equivale a 6 cêntimos por litro. Segundo os promotores, um valor competitivo que compara com 30 cêntimos por três litros nas marcas pré-engarrafadas à venda nos supermercados, ou se a análise foi por litro, com 10 cêntimos por litro que é o preço médio da água vendida em garrafões.
A solução arrancou em em 16 lojas Pingo Doce, na Grande Lisboa, Grande Porto, Braga e no Alentejo, em Serpa. O objetivo é cobertura nacional mas com olhos postos na exportação para outros países europeus. “Em Portugal encontrámos um lab market que se pode dizer perfeito. Primeiro, temos uma geografia que é boa de operar, está bem ligada, a nossa estrutura mesmo sendo pequena tem dimensão nacional, temos uma amostra relevante. Temos um consumidor de água engarrafada com níveis elevados de consumo o que faz com que o mercado tenha uma dimensão significativa;. E encontrámos retalhistas de classe mundial, que tem uma quota de mercado significativa”, afirma Pedro Ferreira Pinto.
Quando se fala de indicadores de sucesso, o tema da sustentabilidade ambiental torna-se prioritário. “O indicador de referência de sucesso será certamente o número de garrafas de plástico poupadas. Alberga o número litros de água vendido e ajuda a tornar o mercado num mercado circular”, dizem os promotores. Na fase de testes com a Jerónimo Martins, a estimativa da ECO era que já tivessem sido “poupadas mais de trinta mil garrafas”. “Conseguimos dizer que nos piores sítios, ou seja, que têm menos tempo de evolução, temos mais de mais de 40% de taxa de refill, nos melhores já temos 80%”.
Sobre uma possível concorrência nos mesmos moldes de marcas de água pré-engarrafada, André e Pedro consideram que “até seria bom” mas duvidam que venha a acontecer pelos processos usados nesta indústria. “Têm o problema do plástico e o problema das emissões. Quando se traz água que é extraída de um determinado local do país está a utilizar-se um transporte. Já viu que a camioneta cheia de plástico a andar vai largar fumo e isso deixa uma pegada carbónica grande. Não vale a pena fazer disso um ponto, vale a pena é ter consciência que existe e existem soluções. Ou seja, antes do plástico temos o problema das emissões. Porque é que o tema das emissões não é tão falado como o plástico? Porque não se vê, não tem nada palpável para se agarrar, mas consegue ver o que se passou com a República Dominicana este verão [relativamente ao plástico]”, considera Pedro Ferreira Pinto
“Nos últimos 50 anos a produção de plástico aumentou 20 vezes, nos próximos 20 anos vai duplicar outra vez. O plástico não é mau, foi ótimo e é ótimo, é-nos indispensável, tem é de ser bem utilizado. Na prática, se pensarmos que os trezentos e muitos milhões de toneladas que são geradas de plástico só 9% são recicladas e o resto não são, se pensar que duram entre 500 a 1000 anos, que nunca desaparece. Se pensar que o problema do plástico surge mais ou menos nos fins da década de 80, quer dizer que ainda nem temos noção da dimensão do estrago que estamos a fazer, porque é uma coisa muito recente”, acrescenta.
Também por isso a garrafa Eco antes de ser assim batizada era o“Projeto Iceberg” – porque grande parte do plástico vai parar ao mar. “No plástico, aquilo que se consegue fazer hoje é reutilizar. Estes garrafões estão preparados para viver um ano e meio/dois anos, nos limites – o plástico dura quinhentos anos”.
A vertente ambiental tem uma tradução direta no projeto da marca mediante a associação à Zero Waste Lab liderada por Ana Salcedo. Sempre trabalhou em áreas da inovação e sustentabilidade e há dois anos, depois de um curso de liderança criativa focada na resolução de maiores problemas, participou num desafio da Câmara Municipal de Lisboa para criar um movimento coletivo para a redução de resíduos urbanos. “Já existem uma série de iniciativas e movimentos aqui em Portugal, falta um pouco de coordenação entre os diferentes eixos da sociedade (sociedade civil, as empresas, os governos, etc.). Nós tentamos trabalhar nisso e pilotar soluções e criar estas pontes”.
O papel da Zero Waste junto da Eco será “trabalhar este sentido de responsabilidade do lado de quem compra e ao mesmo tempo incentivar novos modelos de negócio e noutras áreas que tenham este pilar de responsabilidade ambiental no topo de prioridades”.
Nasce assim o movimento Purify que os promotores querem que, mais que uma campanha de promoção, seja uma bandeira além da marca e do negócio. “Na prática trazemos uma solução plausível para um problema existente e depois chamámos a Ana para nos ajudar a cativar as atenções, mas isso faz muito parte dos media também. O que queremos é que este movimento Purify seja muito maior que nós próprios, que ganhe asas e voe”.
Nota: Artigo editado às 13h23 para corrigir a citação de um dos entrevistados referente ao processo de transporte de águas que é comum a todas as marcas.
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