À quebra de produção entre os 40 e os 50% devido à seca, algo que já vinha a afetar o setor desde o início do ano, junta-se agora o aumento de custo das matérias-primas, estes na ordem dos 30%. Problemas atrás de problemas que tanto os produtores como as entidades responsáveis têm vindo a tentar ultrapassar da melhor maneira.

Os aumentos a isso obrigam, é inegável. E as respostas dadas pelas organizações competentes, como o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), seguem no caminho da procura de uma solução financeira que possa ajudar os produtores nacionais.

"Temos acompanhado com proximidade a situação das empresas e cooperativas e distribuído apoios na ordem dos 62,7 milhões de euros, em fundos comunitários. Além destes apoios, que, em conjunto com as medidas de crise que implementámos e muito contribuíram para que o setor continuasse com um forte dinamismo nos períodos de confinamento, está ainda a ser preparada, e orquestrada com o governo, uma medida específica de apoio excecional às PME como resposta ao impacto da invasão da Ucrânia pela Federação Russa", começou por dizer ao SAPO24 o presidente do IVV, Bernardo Gouvêa, sem querer destapar ideias concretas sobre os apoios excecionais para as empresas.

Ainda assim, uma notícia animadora para o setor, que vem 'responder' ao pedido feito pela Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas (ANCEVE). “É urgente e imperioso que, neste momento tão dramático e excecional, o governo aceite agilizar um plano extraordinário de apoio à fileira do vinho, um setor que leva longe o nome de Portugal mas está a ficar estrangulado pelo aumento brutal dos custos”, considerou a ANCEVE.

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Temos distribuído apoios na ordem dos 62,7 milhões de euros, em fundos comunitários. Além destes, está ainda a ser preparada uma medida específica de apoio excecional às PME como resposta ao impacto da invasão da Ucrânia pela Federação RussaBernardo Gouvêa, presidente do IVV

Apoios solicitados, faltará "desburocratizar" todo o processo. Depois de dada a voz a instituições, há que ir ao terreno, neste caso junto de produtores, os grandes prejudicados. E são esses que, além dos apoios, pedem maior celeridade na atribuição dos mesmos e outro tipo de incentivos. Um deles é Ricardo Oliveira Guimarães, enólogo e CEO da Adega d'Arrocha, um projeto do concelho da Lourinhã, cujos vinhos Carlotas, DOC da região de Lisboa, têm conquistado prémios e os amantes do setor.

"Primeiro que tudo, penso que deveria haver um levantamento sério das necessidades dos produtores, criar planos adaptados a cada realidade e acompanhar. Os planos de apoio não devem apenas contemplar eventuais perdas ou prejuízos dos produtores, mas incentivar o crescimento e modernização do setor. Desta forma, devemos desburocratizar mais e reduzir o tempo entre a submissão de um projeto e o recebimento do primeiro pagamento, o que, por vezes, acaba por inviabilizar vários projetos e/ou negócios", contou ao SAPO24 Ricardo Oliveira Guimarães, que se lançou neste projeto em 2019, poucos meses antes da pandemia de Covid-19 ser declarada, em fevereiro de 2020.

A resiliência e criatividade do setor, concretamente dos pequenos produtores, como o próprio conta, têm servido para ultrapassar, para já, todos os obstáculos, para que o cliente final tenha a garrafa do seu Touriga Nacional, Baga, Castelão, Alvarinho, Arinto ou Fernão Pires, entre outras castas, à disposição

"O pequeno produtor tem tendência a sentir os aumentos de custo no setor de uma forma muito mais intensa e são, normalmente, quem menos apoios pedem. A tendência é a de sermos mais resilientes, mas também mais criativos para fazer face aos custos e obter alguma rentabilidade", disse, explicando depois um pouco algumas dessas estratégias.

"Compramos sempre em menor quantidade, a preços pouco competitivos, e com margens de lucro muito curtas. Por isso, tentamos, na maioria dos casos, perceber o mercado e investir em antecipação. Face aos aumentos que vão sendo anunciados, a nossa maior preocupação é que os mesmos não sejam sentidos no cliente final. Este ano, por exemplo, tivemos aumentos entre 15 e 30% nos custos do vidro, cartão e cortiça, para não falarmos dos combustíveis, que encarecem a distribuição, e jamais poderíamos refletir esse aumento no produto final", considerou.     

Resumidamente, este enólogo da Adega d'Arrocha diz-nos que todas estas estratégias visam o consumidor final. Ou seja, para que os mesmos não olhem para as prateleiras e vejam os vinhos das suas preferências cada vez mais caros, face a todos estes problemas. O IVV, através do seu presidente, também acredita nesse cenário, pelo menos a curto prazo.

"Os produtores terão que refletir, a médio prazo, a pressão inflacionista nos seus custos, mas se olharmos para o panorama da economia nacional, o setor do vinho não será aquele que mais rapidamente repercutirá esta realidade, até porque o mercado do vinho é extremamente competitivo e, em muitos mercados, os canais de distribuição têm um fortíssimo poder de negociação", referiu Bernardo Gouvêa.

Mais crente ainda na não subida de preços no setor está o produtor da Adega d'Arrocha. Aliás, Ricardo Oliveira Guimarães, de 40 anos, prefere discutir, isso sim, um maior equilíbrio entre a qualidade dos vinhos nacionais e as quantias pagas pelos mesmos.

"Penso que não deve haver um aumento dos preços, mas sim um ajustamento dos mesmos à qualidade do vinho. Vinhos de qualidade superior, ou mais competitivos como lhe gostamos de chamar, não devem ter preços tão baixos e vinhos com menor qualidade não devem estar sobrevalorizados, ou maquilhados com mega promoções", assinalou o enólogo.

O futuro: instituições mais otimistas que produtores

A afirmação é da ANCEVE: "um setor a ficar estrangulado pelo aumento brutal dos custos". Se, a curto prazo, tanto as instituições como os produtores estão a tentar evitar a rutura, o futuro não se adivinha fácil, perante o panorama económico mundial. Mas a tal resiliência daqueles que produzem e vivem do vinho é vista mais uma vez como um trunfo, pelo menos pelo IVV.

"O setor tem demonstrado uma resiliência extraordinária. Graças ao trabalho de todos foi possível chegar até hoje com um panorama empresarial e cooperativo moderno, mais competitivo e mais robusto em termos económico-financeiros. Sobretudo se compararmos com as últimas situações de crise que o nosso país sofreu. Existem dificuldades, claro, mas estamos a reagir bem. O mercado nacional apresenta no final do 1º semestre uma evolução muito positiva, com um valor 3,5% superior ao ano de 2019 (pré-covid) e um crescimento de 52,8% em valor - em relação ao período homólogo. Nas exportações, ao mês de maio, apesar do impacto da situação de guerra nos principais mercados internacionais, encontrávamo-nos em linha com o mesmo volume de negócios do ano passado e com um crescimento no preço médio de 4,3%", confessou Bernardo Gouvêa.

Ricardo Guimarães
Ricardo Oliveira Guimarães, enólogo da Adega d'Arrocha, produtor dos vinhos Carlotas
O pequeno produtor tem tendência a sentir os aumentos de custo no setor de uma forma muito mais intensa e são, normalmente, quem menos apoios pedem. A tendência é a de sermos mais resilientes, mas também mais criativos para fazer face aos custos e obter alguma rentabilidadeRicardo Oliveira Guimarães

Desta feita, no entanto, o lado do produtor é menos otimista que o do IVV. Se os números até são positivos, comparando com estatísticas de outros anos, há quem os veja de outra forma. Se por enquanto a ideia dos produtores é tentar segurar o preço do vinho, no futuro, dizem, o cenário poderá ser outro, sobretudo olhando à qualidade vs preço dos produtos nacionais, comparando com o que se passa no resto do mundo.

"Estamos seguramente a caminhar para o estrangulamento financeiro do setor. Os vinhos portugueses, sobretudo os mais comerciais, têm um valor de mercado muito baixo e, como tal, uma margem de lucro muito pequena. Qualquer oscilação nos valores de custo das matérias primas tornam as margens de lucro mínimas, ou praticamente inexistentes. Quando somos um grande produtor, mesmo tendo uma margem de lucro mais pequena, conseguimos gerar valor, tendo em conta quantidades. No pequeno produtor, tudo muda de figura. É necessário, no futuro, valorizarmos e reposicionarmos os preços dos vinhos, quer no mercado nacional, quer no mercado internacional. Temos uma qualidade excecional nos vinhos, somos reconhecidos internacionalmente nos mais prestigiados concursos da especialidade, mas os preços continuam a ser vergonhosamente baixos", contou-nos Ricardo Oliveira Guimarães.

Menos quantidade, mas mais qualidade?

Preços à parte, falta falar das vindimas em si, concretamente das uvas, é que sem elas não se faz vinho, como diz o velho ditado. E falar da qualidade das mesmas, devido às alterações climáticas e às consequências que daí advêm. Este tem sido um ano de seca extrema, muitos produtores fizeram as vindimas mais cedo e outros terão menos produção por falta de água. Quantidade, contudo, não é sinónimo de qualidade. E poderá haver boas surpresas.

"Ainda é cedo para se falar de qualidade. Mas até junho, em termos fitossanitários, o ano foi muito positivo, não tendo exigido da parte dos viticultores grande intensidade nos tratamentos do vinho, o que foi ótimo. Contudo, as vagas de calor das últimas semanas afetaram bastante algumas regiões, com reflexos nas videiras ao nível do stress hídrico, o que está na base essencialmente da quebra estimada. Esperemos que não se verifiquem mais vagas de calor 'até ao lavar dos cestos'", considerou o IVV.

Produzir vinho nos países nórdicos, uma aventura com mais suor do que vindima
As vindimas têm começado mais cedo que o normal em algumas quintas. Há outras onde a produção será menor comparada com anos anteriores.

Caso não haja mais surpresas, tudo indica que a produção de vinho na campanha 2022/23 se traduzirá num decréscimo de 9% face à última. São nove as regiões onde a vindima será mais escassa, destacando-se, contudo, as regiões do Douro e Porto e de Lisboa com as maiores quebras, na ordem dos -20%. Por outro lado, as regiões vitivinícolas do Minho e Terras de Cister são onde haverá mais crescimento, com 10%, seguindo-se depois o Algarve e o Tejo com 5%.

Confirma-se então a menor produção, na grande maioria das regiões demarcadas. Uma delas, como acima referido, Lisboa, terá uma das maiores quebras dos últimos anos. Na Lourinhã, cujos vinhos pertencem a esta mesma zona, há esperança numa safra de qualidade.

"Se vamos ter menos quantidade e mais qualidade? É possível que sim, mas não devemos descurar o facto de poderem haver também alterações na maturação da uva que subsistiu. No litoral oeste, estamos muito otimistas com a qualidade que já se consegue percecionar, mas vamos deixar a natureza fazer o seu papel. A nós, resta-nos cuidar e acompanhar", confessou-nos Ricardo Oliveira Guimarães, que também destaca o papel do tempo como um obstáculo presente e futuro.

"As razões do que tem acontecido este ano com a produção prendem-se, sobretudo, com alterações climáticas e as consequências das mesmas. O clima está cada vez mais imprevisível e a forma como se manifesta, é cada vez mais extremada. Este ano, por exemplo, tivemos episódios inesperados de granizo, que condicionaram as produções a norte do país, e vagas de muito calor que destruíram hectares e hectares de vinha, em praticamente todas as regiões vitivinícolas", concluiu.