"Os meus três filhos estão detidos e, desde sexta-feira, não estão a comer nada", conta à Lusa Ana Alberto, mãe de três jovens que estão entre as dezenas de detidos sexta-feira, na capital moçambicana, durante os protestos promovidos pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) para contestar os resultados das eleições autárquicas de 11 de outubro.

Ao lado de Ana, Manuel Raul também espera impaciente, à porta do Tribunal Judicial Kampfumo por notícias do seu sobrinho, este numa situação mais complexa, já que se trata de um menor.

"Ele tem 17 anos e disse-me que, na verdade, nem estava na manifestação. Ele estava na paragem à espera do autocarro", conta à Lusa Manuel Raul.

"A situação é grave. Nós tivemos a oportunidade de conversar com eles e vimos o local onde estão. Eles estão a ser obrigados a comer no mesmo espaço em que fazem as necessidades. Alguns tiveram problemas graves de saúde e não lhes foi prestada assistência", declarou Quitéria Guirengane, ativista moçambicana que está entre sociedade civil que se juntou para prestar assistência jurídica aos detidos.

Milhares de pessoas participavam numa marcha convocada pelo cabeça-de-lista da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo, maior partido da oposição) à autarquia de Maputo, Venâncio Mondlane, que reclama ter vencido aquela eleição e denuncia uma "megafraude".

Os manifestantes, entre simpatizantes da Renamo e comerciantes informais, tentavam seguir pela avenida 24 de Julho, quando a confusão começou, com as autoridades a dispararem gás lacrimogéneo e a multidão a arremessar pedras contra os agentes da polícia.

Em conferência de imprensa no mesmo dia, a Polícia da República de Moçambique (PRM) justificou a sua resposta e as detenções com a necessidade de manter a "ordem e tranquilidade públicas", referindo que os manifestantes atiraram objetos contundentes e vandalizaram infraestruturas.

Para Ana Alberto, os argumentos da polícia para prender os seus três filhos pouco importam, já que, sublinha, "não são ladrões".

"Os meus meninos são vendedores informais. Há um que tem dois filhos e a mulher dele está em casa à espera do seu marido voltar. Ele vende para ter algum dinheiro para comprar fraldas. E agora...?", questiona Ana Alberto, acrescentando que chegou a dar os três filhos como desaparecidos.

Enquanto não chegam notícias sobre a situação dos detidos, que deviam hoje ser apresentados em tribunal, multiplicam-se esforços para apoiar estas pessoas, entre ativistas e singulares, além da própria Renamo.

Dados avançados pelas autoridades indicam que há mais 100 pessoas detidas em vários pontos do país, sobretudo nas cidades de Nampula, Nacala-Porto e Maputo, onde decorreram as manifestações e escaramuças, e estão em curso processos-crime "pelos danos causados e pela desestabilização da ordem pública" naqueles municípios.

O principal partido da oposição tem promovido marchas de contestação aos resultados das eleições de 11 de outubro, juntando milhares de pessoas que denunciam uma alegada "megafraude" no escrutínio.

As sextas eleições autárquicas em Moçambique decorreram em 65 municípios do país no dia 11 de outubro, incluindo 12 novas autarquias, que pela primeira vez foram a votos.

Os resultados apresentados pela CNE de Moçambique indicam uma vitória da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, em 64 das 65 autarquias do país, enquanto o MDM, terceiro maior partido, ganhou apenas na Beira.

De acordo com a legislação eleitoral moçambicana, os resultados do escrutínio ainda terão de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional (CC), máximo órgão judicial.

*** Estêvão Chavisso (texto e vídeo), da agência Lusa *** 

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