"Foram esses que foram treinados por grupos que operam na região dos Grandes Lados, no Congo, principalmente, e outros como a Al-Shabaab, na Somália e Quénia", referiu o investigador João Pereira, coautor da pesquisa no terreno com Salvador Forquilha e Saide Habibe, naquele que é o primeiro trabalho sistematizado a aprofundar o ponto de contacto entre a violência dos últimos meses e aquele tipo de organizações.

Em conjunto, os três autores do estudo sobre "Radicalização Islâmica no Norte de Moçambique" realizaram 125 entrevistas durante três estadas na província de Cabo Delgado realizadas depois do ataque à vila de Mocímboa da Praia, a 05 de outubro de 2017, na província de Cabo Delgado.

A região vai receber nas próximas décadas os megaprojetos de petrolíferas internacionais para extração e exportação de gás natural.

A zona tem atualmente "várias células" armadas, cada qual "com a sua liderança" e com um comando feito a partir de "outros núcleos ou células que estão espalhadas na zona de Kibiti, na Tanzânia, e noutros distritos vizinhos de Mocímboa da Praia", explicou João Pereira, no final de uma apresentação na Universidade Pedagógica.

"O primeiro objetivo [dos grupos armados] é criar uma situação de instabilidade na região para permitir o negócio ilícito no qual as lideranças estão envolvidas", chefias que, apesar de usarem a religião islâmica como um dos fatores de radicalização e oposição ao Estado, nada têm a ver com a religião.

"Não é por acaso que grande parte do movimento começou como uma célula religiosa", em 2015, mas mudou para um braço armado quando encontrou resistência nas estruturas islâmicas locais.

Nessa altura, começaram a mandar jovens para treinar "na região dos Grandes Lagos, Quénia e Somália".

"Logo que esse grupo de jovens treinados reentraram no território nacional, eles criaram a tal ala militar", ou seja, 30 a 40 indivíduos que tinham sido treinados e iriam voltar para as respetivas células religiosas, para começar a confrontação - como terá acontecido em Mocímboa da Praia.

De acordo com o resultado das entrevistas, um agente expulso da Polícia da República de Moçambique (PRM) fez também parte da ala armada e ajudou a planear os primeiros ataques aos postos da PRM do município Mocímboa da Praia.

Outros dois guardas de fronteira, igualmente expulsos da autoridade, recebiam 25 a 30 mil meticais (350 a 420 euros) para darem treino militar em campos de na região - uns em locais abrigados, no meio do mato, outros nos quintais dos supostos líderes religiosos, ligados às células armadas.

Segundo João Pereira, a situação atual ainda é "de medo e pânico" com os residentes no mundo rural do norte de Moçambique a viver "sem saber muito bem o que vai acontecer amanhã".

Nem militares, nem civis sabem com o que podem contar, referiu, dando conta de depoimentos sobre homens mortos quando vão a caminho dos campos.

Em casa ficam mulheres e crianças que são depois levados para os acampamentos dos grupos armados, de acordo com testemunhos, sem ser possível aos investigadores precisar quantas pessoas já terão morrido desde outubro e quantos membros das células armadas permanecerão no mato.

As autoridades moçambicanas têm referido ter a situação controlada e o Ministério Público levantou acusações contra 234 arguidos por porte e uso de armas proibidas, homicídio qualificado e práticas mercenárias, remetendo-os para julgamento.

João Pereira e Salvador Forquilha são formados em ciências políticas, docentes na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em Maputo, e representam no estudo a Fundação Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil (MASC) e o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), respetivamente.

Saide Habibe participou no trabalho a nível individual como especialista em assuntos islâmicos em Moçambique.

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