
O modo como a administração Trump está a virar de pernas para o ar as instituições dos EUA só é comparável em estilo bulldozer de alta velocidade com o acasalamento por interesse entre a Casa Branca e o Kremlin, entre Washington e Moscovo.
Putin quer redesenhar o sistema geopolítico mundial, Trump alinha com ele e dá-lhe as ferramentas e o suporte para que avance a curto-circuitar a ordem dos últimos 36 anos (desde a queda, em 89, do império soviético), em modo que põe o chefe da que se reclama como maior democracia do mundo a comprimir a liberdade da vítima número 1, a Ucrânia, para que a potência ocupante, a Rússia com aspirações de regresso imperialista, amnistiada pela América das tantas culpas, seja parceira preferida na pretendida nova partilha do mundo.
Outra vez os EUA e a Rússia. Com a China, porque é inevitável. E com a Europa desprezada, mesmo hostilizada.
A personagem Zelenski em uniforme de guerra, naquela passada sexta-feira de emboscada na Casa Branca, a partir dessa armadilha teatral preparada pela gente de Trump para os múltiplos ecrãs, passou a representar algo de infinitamente maior do que ele próprio. Venha a dar as voltas que der, aquele homem com obstinação e coragem confrontou-nos com a realidade. Puxou a indignação de todos nós pelo que está a acontecer no topo do poder nos EUA, em mudança de regime e a pretender também impor a golpes de motosserra uma desordem internacional. A cortar o direito internacional e a substituí-lo pela lei do mais poderoso e mais autocrata.
Este novo poder americano está a intrometer-se nas democracias ocidentais em apoio aos ultranacionalistas, hostiliza o ideal do projeto europeu, odeia a diversidade.
É facto que a União Europeia acumula hesitações e erros. Tem sido demasiado frustrante no agarrar os ideais. É sempre tempo para a autocrítica.
Também é facto que a União Europeia está há décadas a cuidar a paz e a impulsionar progresso do bem-estar. Mas que não chega a muitos na Europa. Os anos de austeridade abriram muitas feridas mal cicatrizadas. A tragédia da pandemia mostrou de modo exemplar o valor da solidariedade europeia.
Vemos agora como a União Europeia está sob ataque dos que abusam da força armada (Trump, Putin, Netanyahu e os outros), e também da ofensiva dos nacionalismos internos.
O ataque em curso à União Europeia está a ser reconhecido como uma oportunidade que não pode ser desperdiçada para que a Europa se transforme de modo a que prevaleçam os ideais solidários sobre os quais a União foi fundada, terra de liberdade, unida dentro da diversidade que tem, mais justa e mais próxima das pessoas.
Quando vemos a democracia a ser envenenada, apetece afirmar com convicção: somos europeus! Mas é preciso que as lideranças europeias saiam do torpor e sejam valentes a agir política e culturalmente para que a esperança se concretize.
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