Mas começaram a aparecer desconfianças, que foram crescendo à medida que nos adentrávamos neste século. A crise financeira de 2007 marcou a viragem. Ficou instalada no poder uma geração de dirigentes que reduziu o estimulante processo de integração europeia à obstinada defesa do euro e dos interesses dos mercados financeiros. Onde antes florescia o sentimento europeísta passou a crescer a desilusão ou a fúria e o antieuropeísmo avança como ressentimento robusto.

Quando a ambição de caminhos imaginativos de progresso para a Europa foi derrubada nem sequer ficou a sensatez. A condução europeia, cada vez mais distante e burocrática, levou a que se instalasse um sentimento dominante de perda. Entrou um tempo de precariedade difusa, trágica. Os que mandam na Europa impuseram as receitas da austeridade, a classe média baixou drasticamente o seu poder de compra, os pobres ficaram mais desamparados, o número de pessoas excluídas aumentou. Quebraram-se os vínculos que tinham unido os europeus na ilusão de uma União em busca da coesão. Os dirigentes europeus foram incapazes de propor uma discussão estratégica plural, democrática, na procura de soluções. Imperou a política de Berlim e com ela Bruxelas, a executora, desligou-se das pessoas, dos cidadãos.

Com o assédio do temor de cada vez mais pobreza e insegurança, perdida a confiança nas lideranças tradicionais, um número sempre crescente de cidadãos foi-se agarrando ao que lhe ia aparecendo com promessas de mudança. Entrámos no tempo das mensagens negativas, a explorar as inseguranças. Os media também tratam de fazer negócio com a decomposição que se instala. É assim que os britânicos – deve dizer-se: os ingleses – votaram pelo rompimento com a União Europeia. É uma escolha que mobiliza mais populismos e mais xenofobia, da Holanda aos Balcãs, passando pela França e pelos países que querem escapar à ameaça da Rússia pos-soviética de Putin, Hungria, Polónia, Bulgária e os outros.

Uma questão essencial tem de ser esta: vai prevalecer a devastadora impotência e o contágio negativo da última década europeia ou vai ser possível, finalmente, um rasgo para que a Europa volte a poder propor futuro?

Lê-se e ouve-se de muitos dos políticos europeus que chegou o tempo para relançar o ideal europeu. Mas até parece que eles estão, tal como os sumidos dirigentes ingleses que ganharam o Brexit, sem saber como lidar com o que têm pela frente. Falam de reaproximação com os cidadãos, mas não se vislumbra qualquer ideia concreta para concretizarem as intenções.

Será que algum líder tem coragem e é capaz de ousar um golpe visionário de fantasia e inteligência que livre os europeus do assédio constante da crise, dos tecnicismos, dos medos, das exclusões, dos muros e que volte a estimular o ideal da União Europeia? Se alguém o conseguir, ainda bem que houve este sobressalto do Brexit para despertar esse rasgo que acabe com a traição em curso a um projeto político que nasceu como união de paz e concórdia. Vale lembrar sempre que a Europa se uniu para que não se repitam massacres gigantescos como os das Grandes Guerras da primeira metade do século XX. Por agora, o que se vê, é, como advertiu o Papa, uma Europa em risco de balcanização. Com o reino britânico desunido, dividido em duas metades, a sair da União Europeia, portanto a legitimar que Escócia e Irlanda do Norte avancem para a independência, com inevitável dominó na Catalunha, eventualmente no País Basco e em outras ambições soberanistas. A crise está a explodir à nossa frente. Aparecerá alguma liderança audaz, corajosa? Alguém capaz de voltar a fazer crescer o encanto com a Europa?

TAMBÉM A TER EM CONTA:

Do lado americano, notícias de sensatez do eleitorado: Donald Trump em queda livre nas sondagens. Os eleitores dos EUA estão a abrir os olhos para o risco do voto populista e um salto para o desconhecido?

Afinal Mariano Rajoy nem precisou de ir a penaltis, ganhou no prolongamento mas vai ter de fazer política para conseguir um acordo, não apenas de poder como também de estabilidade, para o novo governo de Espanha. O PSOE perde, mas resiste ao tsunami anunciado. Saem derrotados os novos movimentos (Podemos e Ciudadans) e as sondagens que deram grande fiasco até mesmo na noite das eleições.

A Islândia é um país com apenas 330 mil habitantes e uma escassa centena de futebolistas profissionais mas conseguiu eliminar do Euro16 os criadores do futebol. Antes já tinham posto fora a Holanda. Até onde vai este fabuloso destino islandês? A Espanha que entrou bicampeã mas agora reconhece fim de ciclo e há jornais, como o Superdeporte, que chegam a ser cruéis com o selecionador que antes levou a Espanha ao triunfo. Seja como for, o futebol é para ser uma festa, ninguém ganha com azedumes. Já agora: a seleção portuguesa que seja capaz de ganhar mas, sobretudo, apetece que seja capaz de encantar com o jogo, como às vezes faz.

As primeiras páginas escolhidas hoje são as do futebol.