Tenho pena do primeiro ministro demissionário, caso não tenha efetivamente amigos.

Bem sei que a política tende a secar os afectos, não serão as emoções e a afetividade as palavras fortes e motivadoras para qualquer mandato político? Apesar disso, acredito que a amizade é estrutural e muito necessária para que qualquer pessoa possa viver satisfatoriamente.

Não acredito em líderes que não se apoiam nos outros. Aliás, só acredito em líderes de equipas, por princípio.

A amizade não é sinal de fraqueza, e o rodear de pessoas nas quais se confia parece-me normal. Assim, a declaração de António Costa sobre a impossibilidade de ter amigos, é infeliz. Foi amigo de Diogo lacerda Machado mais de 30 anos.

Infeliz é tudo isto que se passa em Portugal com a ligeireza de uma brisa cómica, mas altamente maléfica.

Não acredito que António Costa, na política desde os 14 anos, seja corrupto. E não acredito que o Ministério Público não tenha uma agenda muito própria para dar um golpe desta dimensão na democracia. Quem o fiscaliza? Ninguém, portanto, é soberano.

Não aceito que assim seja. E tão pouco aceito que se desfaçam vidas - e governos - com esta leviandade. A democracia não é isto. Se alguém acha que é, tenho pena, é-me incompreensível. Quanto a António Costa, ele sabe: o processo na justiça não terminará a tempo de continuar a ter qualquer função pública. Assim o disse. Para que não haja dúvidas.

Portugal diverte-se com os memes e outras brincadeiras, o desdém é absoluto, a memória altamente relativa. Ah, Portugal fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato, escreveu O’Neil.

Restam-nos meses de “gestão” e de muito diz-que-disse até às eleições.

As facas foram retiradas da gaveta e o bom senso não impera. Neste momento, não impera sequer no discurso do primeiro ministro demissionário que poderia encostar-se e dizer: isto é uma cabala, provarei a minha inocência. Não optou por essa versão.

Em que ficaremos? Celebraremos 50 anos de democracia num cenário em que o país estará fatalmente fragilizado.

P.S.: Afinal, o Ministério Público enganou-se? Não há como acompanhar a telenovela sem a ajuda de um ansiolítico.

P.S.S: Ups, afinal parece que não!