Que Donald Trump gosta de despedir, já o sabemos desde o programa de TV “O Aprendiz”, que criou a sua reputação nacional entre 2004 e 2015. Que Trump Presidente despede a torto e a direito, tivemos ocasião de verificar 34 vezes nestes últimos dois anos – uma média de quase dois funcionários "despachados" por mês, só contando os mais chegados ao topo: Secretários de Estado, Conselheiros e assessores próximos. John Bolton, por exemplo, é o quarto Conselheiro de Segurança (Security Advisor) a cair em desgraça. Antes dele, Herbert McMaster, Katherine MacFarland (interina) e Michael Flyn passaram tragicamente pelo posto mais importante da Segurança Nacional, que não só aconselha o Presidente como toma decisões internacionais de grande porte e superintende a enorme teia de agências de segurança norte-americanas. Houve ainda um inédito Estratega Chefe, uma espécie de Conselheiro de Segurança alternativo, ocupado exclusivamente para quem foi criado, Steve Bannon.

Em termos gerais, Trump manda embora quem o contraria. Ou seja, considera que os seus assessores não estão ali para o aconselhar, mas para o aprovar. Se faz uma pergunta, quer a resposta que gosta, não uma que lhe provoque ira ou, no mínimo, incómodo. Se pede uma opinião, é porque quer a confirmação da sua opinião.

Dentro desde quadro de fundo, as pessoas são mandadas embora pelas razões mais variadas, desde suspeitas de traição até falta de entusiasmo. Concretamente, sabe-se de cada caso quando o presidente tweeta que “já não precisa dos serviços” de alguém. Ficou famoso o caso de Reince Priebus, que foi literalmente mandado passear durante o percurso do cortejo presidencial de Maryland para Washington. A meio caminho, o carro de Priebus destacou-se do grupo e seguiu para casa dele, enquanto Trump tweetava em directo o que estava a acontecer. Nunca o famoso “Você está despedido!” conseguiu humilhar tanto um caído em desgraça. Priebus, um fiel republicano, não tinha conseguido transmitir convincentemente, como Chefe de Gabinete, as mentiras firmes que lhe eram exigidas. (Em várias circunstâncias, como quanto à quantidade de pessoas presentes na inauguração de Trump e na interferência da Rússia nas eleições, Priebus não se mostrou muito convencido do que foi obrigado a defender.)

Por cada um que sai, é outro que entra, convencido de que ele é que vai mudar a postura presidencial. Até se desconvencer, ou ser desconvencido, tanto podem passar dez dias (Anthony Scaramucci) como dois anos (Sarah Huckabee Sanders). No caso de John Bolton foram 16 meses – entre 9 de Abril de 2018 e 10 de Setembro de 2019.

A escolha de Bolton para o cargo, se por um lado fazia sentido, uma vez que era, tal como Trump, muito “America First”, por outro surpreendeu, pois o ex-Embaixador dos Estados Unidos na ONU (em 2005-06, sob o Presidente George W. Bush) é muito mais radical em política externa – é verdadeiramente o ultra “hawk” (“falcão”- belicoso na gíria americana). É contra a ONU, que acha que não serve para nada e serve os interesses dos inimigos do país. Defendeu a intervenção na Líbia e a guerra do Iraque, é a favor de invadir o Irão, ou provocar uma violenta “mudança de regime”, é contra a saída do Afeganistão e a União Europeia. Acha que se deve antecipar um ataque preventivo à Coreia do Norte, endurecer as relações com a Rússia e aumentar o potencial militar na Ásia para uma eventual guerra com a China, que acusa de roubar tecnologia aos Estados Unidos. Queria invadir a Venezuela e é a favor de Bolsonaro e Duque Marquez, da Colômbia, os líderes mais à direita da América do Sul.

“Eu é que acalmava o John, por mais estranho que pareça”, admitiu o próprio Trump, que tem opiniões contrárias no que toca à NATO (é contra) e a Putin (é a favor). Realmente, vendo as posições de Bolton em várias situações, era muito mais agressivo do que o Presidente, que prefere confrontos comerciais a militares, e tece loas a líderes como Kim Jong-Un, que Bolton detesta.

Sempre discutiram muito, era sabido; com Trump a tweetar os seus estados de alma diariamente, as divergências não podiam passar despercebidas. Mas Trump sempre mostrou mais tolerância para opiniões e pessoas que condizem, por assim dizer, com o seu alter-ego mais agressivo, do que com posturas tolerantes e conciliadoras. Bolton seria o discordante aceitável.

Não mais. Os analistas dividem-se em considerar que as divergências se vinham acumulando à medida que Trump se afastava do percurso que Bolton considerava o mais indicado, e as negociações de paz com os talibãs foram a proverbial gota de água. Bolton era a favor de aumentar a pressão no Afeganistão e, sobretudo, contra qualquer aproximação ao inimigo. As conversações de altos representantes de ambas as partes – ignorando ignominiosamente o Governo do Afeganistão que os americanos sustentam – enfureciam-no. Quando Trump convidou os talibãs para ir a Camp David, a casa de férias oficial dos presidentes, onde geralmente só vão amigos e aliados, no intuito de finalizar um acordo de paz que Bolton considera uma derrota, as diferenças tornaram-se excessivas. À última hora Trump cancelou o convite, não por aderir às teses de Bolton, mas porque os talibãs, numa tentativa de forçar a sua vantagem negocial, deflagraram um atentando na “zona de máxima segurança” de Cabul, ferindo 100 pessoas e matando 16, inclusive um americano. O ataque foi a 2 deste mês; o encontro em Camp David seria neste fim-de-semana, 7 e 8; Trump cancelou-o em cima da hora e deu por findas (ou, pelo menos, interrompidas indefinidamente) as conversações. Terça, dia 10, Bolton demitiu-se, ou foi demitido. Aliás, se se despediu ou foi despedido tornou-se imediatamente um contencioso entre os dois.

Na terça, Trump tweetou: “Informei John Bolton ontem à noite que os seus serviços na Casa Branca já não são necessários. Pedi-lhe que se demitisse, o que ele fez hoje de manhã.”

À tarde Bolton tweetou que se tinha demitido na segunda à noite. Enviou a mensagem em tempo real para Brian Kilmeade, um dos defensores de Trump no programa Fox & Friends: “Sejamos claros. Fui eu que me demiti.” Kilmead confirmou que Bolton o tinha autorizado a ler o tweet frente às câmaras.

Na mesma terça-feira, o Senador ultra-conservador Ted Cruz, o republicano do Texas, que em tempos foi adversário de Trump mas que, como tantos outros, depois aderiu de alma e coração ao Presidente, exprimiu num programa de TV a sua preocupação com a demissão: “Espero sinceramente que a sua saída da Casa Branca não signifique as 'forças do estado profundo' nas Relações Externas e no Tesouro (“deep state forces”, um chavão da extrema direita que se refere a um possível complô do aparelho de Estado contra as políticas de Trump), que têm lutado com toda a energia para preservar o acordo nuclear com o Irão feito por Obama, não tenham finalmente convencido Trump a ser conciliador com o Irão.” E acrescentou: “Aliviar a estratégia de pressão máxima que tem sido tão bem-sucedida a enfraquecer o estado que é o maior patrocinador do terror, seria um grande erro.” Finalmente, Ted Cruz avisou que Trump estaria assim a recuar na “maior vitória da segurança nacional” e a voltar para a deficiente política externa de Obama na Europa, lançando um salva-vidas económico ao Ayatollah (Rohani).

Portanto a saída de Bolton pode ser vista como uma derrota dos ultras. O que é, certamente, é uma derrota da possibilidade de qualquer crítica ao Presidente da parte dos seus próximos. Como salienta o “The Economist”, “se esta administração tem ainda tem alguns cépticos, ficaram muito caladinhos, e a cabeça de Bolton num espeto ainda os vai calar mais. Isto torna a América num sítio muito perigoso – com um presidente instável que há muito dá maior prioridade aos seus interesses do que ao interesse nacional e estava disposto a fazer um acordo histórico (com os talibãs) para solidificar o seu legado, além de valorizar mais a aceitação do que a honestidade entre os seus próximos.”

Isto, escrito num jornal inglês de direita; não se trata duma opinião dos orgãos de “fake news” americanos sempre prontos a criticar o Presidente. Por ora, o quinto Conselheiro de Segurança Nacional (e segundo interino), será Charles Kupperman – que não pode durar porque fez carreira como assessor de Bolton.

Trump anunciou que nomeará o sexto na próxima semana. Não há qualquer indicação de quem ele possa ser, até porque o próprio Trump deve andar a pensar quem estará disposto a passar pelos vexames que inevitavelmente esperam um operacional da Casa Branca. A única coisa certa é que os Estados Unidos são, como diz “The Economist”, um sítio cada vez mais perigoso.