Depois de, na semana passada, termos ficado devastados com o fim da relação tóxica com Inglaterra, Espanha pareceu querer fazer o papel de amigo que escolhe "um dos lados" e que deixa de nos falar. Esta segunda-feira, o Ministério da Saúde espanhol decretava que o cruzamento da fronteira terrestre entre os dois países ibéricos dependia da apresentação de teste negativo à COVID-19. Portugal foi apanhado desprevenido, Marcelo disse que era "estranho" e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, ameaçou com "reciprocidade". Numa altura em que os dois países apresentam a candidatura da organização conjunta do Mundial 2030, este conflito fez lembrar as zangas entre amigos que têm de apresentar um trabalho de grupo.
A situação ficou rapidamente resolvida: Portugal recorreu à antiga abordagem diplomática do "ó amigo, desculpe lá, deve haver aqui um engano, veja lá isso melhor". Agora que as discotecas completam 15 meses fechadas, o governo português replicou com exatidão aquela situação em que um indivíduo é barrado à entrada de um espaço de diversão noturna, sob pretexto de não constar da guest list, sendo obrigado a contactar um amigo bem relacionado para resolver o imbróglio. Nesta terça-feira, Augusto Santos Silva terá garantido que os espanhóis recuassem e ainda que pedissem desculpa. Nun'Álvares Cabral do PS, dirão os seus apoiantes; Padeira de Aljubancarrota, clamarão os seus críticos.
É, de facto, essencial que se retome a normalidade no que toca à circulação de pessoas entre países. Não só porque a nossa economia depende disso, como nós próprios estamos a precisar de sair daqui. Mentalmente, pelo menos. A falta de contacto com o exterior a que o confinamento obrigou também terá gerado esta vontade de reavivar rivalidades mitológicas com outros países, consubstanciadas em indignações nas redes sociais que incluem referências a Olivença e ao Tratado de Methuen. Os ingleses romperam com a sua bolha, mas nós também precisamos de sair da nossa.
É também possível que a polémica com Espanha se tenha originado num lapso linguístico. Os responsáveis espanhóis terão ouvido que os números em Portugal estão sempre a subir. Só que são os números do preço dos combustíveis, não os de infectados. Confundiram portanto a frase "os portugueses têm de se testar para vir a Espanha" com a frase "os portugueses têm de vir a Espanha atestar". Tivessem os espanhóis mantido a sua posição, ainda iríamos ver bastantes portugueses a enfiar uma zaragatoa para poder ir a Espanha espetar a pistola de abastecimento. Um teste PCR custa uns 80 euros e, ainda assim, julgo que compensava.
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