O académico norte-americano Arnold Kling, no seu livro fundamental “As três linguagens da política” afirma que os conservadores vêem o mundo como uma luta entre a civilização e a barbárie, a ordem e o caos.
Segundo David Leonhardt, colunista do “The New York Times” o debate sobre os protestos pró-palestina na Universidade de Columbia (e nas outras onze da “ivy league”), os pesos-pesados das universidades do país) tornou-se um exemplo de como o conservadorismo se vê ameaçado pelas reivindicações dos estudantes.
Estas escolas incluem uma pequena percentagem de alunos judeus e são financiadas em grande parte pelo chamado lobby judaico, o qual, como é sabido, tem uma importância decisiva na política dos Estados Unidos. Até à eclosão da guerra Israel/Hamas, as etnias e as crenças dos estudantes não constituiam qualquer problema; davam-se suficientemente bem para que as divergências não afectassem o funcionamento das Instituições. Contudo, à medida que prosseguia a resposta israelita ao horrível massacre de 7 de Setembro do ano passado, uma maioria de estudantes, de todas as persuações (brancos protestantes e católicos, e alguns muçulmanos e de outras religiões) as actividades militares de Israel na faixa de Gaza são tão horríveis que tomam precedência sobre outras causas. Israel, dizem eles, não só reagiu desproporcionalmente ao massacre e tem atingido um número brutal de civis palestinianos (45.000 mortos, segundo uma estimativa conservadora) como impede sistematicamente o auxílio humanitário a uma população sem meios sanitários e médicos e à beira da fome.
Os estudantes não alinhados com esta situação, comparam-na às leis racistas dos Estados Unidos (chamadas vulgarmente de “Jim Crow Laws”, ao apharteid da África do Sul e à Guerra do Vietname. Um grupo de contestatários da Universidade de Columbia até relembram a morte dos estudantes anti-guerra do Vietname na Universidade de Kent State em 1970.
Para eles, o “genocídio” dos palestinianos (entre aspas porque ainda não foi oficialmente reconhecido) devia obrigar as direcções universitárias a desligar-se das empresas que têm negócios com Israel ou lhe fornecem equipamento militar. E consideram que o cancelamento de debates sobre a questão põe em causa o princípio da liberdade de expressão. No entanto, ambos os lados (pró-israelitas e pró-palestinianos) têm tentado impedir essa liberdade de expressão, ao ponto de dar lugar a autênticas lutas campais nos campus universitários. Mas a questão centra-se mais na justiça em relação aos oprimidos do que na liberdade de expressão.
Por um lado, os estudantes têm violado as regras das universidades; em Columbia fizeram um acampamento de tendas na praça principal do campus e a situação ficou tão agitada que a escola adoptou um sistema de aulas híbridas (parte on line) para diminuir os confrontos. Um grupo intitulado “Estudantes pela Justiça na Palestina” foi suspenso em Novembro por “violar sistematicamnete as regras da Universidad
Há grupos distintos: os judeus pró-Israel, os muçulmanos pró-Palestina e ainda os judeus anti-Israel (chamados “judeus que se auto-odeiam”).
Em Michigan, a cerimónia de graduação teve de ser cancelada. Em Vanderbilt, um grupo de estudantes adentrou pelo gabinete do reitor, feriram um segurança e partiram uma janela. Na Universidade do Sul da Califórnia a situação chegou a um ponto em que a polícia prendeu 90 estudantes
Por outro lado, as direcções não podem ignorar as regras de conduta da escolas, sob pena de os protestos alastrarem para outras causas, como a IVG, ou a opressão dos Uighurs por Pequim. Muitos administradores concordam com que os estudantes expressem os seus pontos de vista, mas não podem permitir que as demonstrações perturbem as aulas, as cerimónias de graduação e as actividades escolares em geral.
Outro lado da questão é a pressão que os grandes beneméritos judeus têm feito sobre as administrações, cortando subsídios e levando até à demissão de membros da academia por não se mostrarem mais pró-israelitas - situações que só enfureceram o grupo pró-palestiano. E a situação já chegou ao Congresso, onde os congressistas pró-palestinianos têm dado voz aos estudantes. (Claro que, no Congresso, este grupo é muito inferior ao pró-judaico.)
A agitação estudantil, sem solução à vista, vem complicar ainda mais a gestão e as perspectivas eleitorais do Presidente Biden, que não só não pode cortar a ajuda militar a Israel - seria um suicídio político - como não consegue convencer o ultra-nacionalista Netahyahu a mudar de política. Há uma incongruência entre o auxílio dado aos israelitas e o não auxílio dado aos ucranianos que se deve unicamente à luta no Congresso (onde até já se fala numa ala putinista), mas que acaba por cair na responsabilidade de Biden.
Já na questão da saída abrupta dos Estados Unidos do Afeganistão aconteceu a mesma coisa: foi Trump que decidiu retirar com data fixa - data essa que caiu na presidência Biden, e os trumpistas não têm qualquer pudor em acusar o actual presidente da decisão do anterior.
(Num aparte, porque tenho como regra não escrever sobre política nacional: em Portugal também tivemos situações assim; estou a lembrar-me de como Passos Coelho ficou com o ónus do aperto do nível de vida e convocação da troika, situações que tinham sido provocadas pelo despesismo do governo anterior, de Sócrates. A situação inversa é possível; ainda estamos para ver os dividendos que Montenegro consegue tirar das economias feitas por Medina.)
Os ciclos políticos, aqui, nos Estados Unidos, ou em qualquer país, proporcionam estas situações injustas - como se a justiça tivesse alguma coisa a ver com a política...
É de notar que o problema não é só norte-americano; sempre que surgem confrontos mais violentos na faixa de Gaza, ou na fronteira entre Israel e o Líbano, crescem imediatamente os incidentes tanto nos Estados Unidos como na Europa. As polícias de Paris e de cidades alemãs já tiveram de interferir em confrontos estudantis violentos.
Os estudantes, como todos sabemos porque já fomos (ou ainda somos) estudantes, precisam de causas para se sentirem activos. Quando não têm casos nacionais, envolvem-se em situações mundiais, como a causa climática, a protecção de espécies animais ameaçadas, o uso excessivo do plástico, ou qualquer outro bom motivo para se revoltarem. A guerra no Médio Oriente é um tema mais presente, mais pungente - há pessoas a morrer todos os dias - e mais susceptível de opiniões contraditórias.
Pode dizer-se, sem muitas nuances, que é um conflito em que todos são maus - as tropas das IDF, os militantes do Hamas, Hezbolah, Houthis e outras milícias e o Irão. Os judeus, muitos dos quais não apoiam Israel, estão a ser hostilizados em França, no Reino Unido, um pouco por toda a parte. Os muçulmanos, que em geral não gozam das simpatias europeias (com ou sem razão) também são atacados pela sua intolerância.
Talvez os casos das universidades norte-americanas reflitam o extremismo geral que tem assolado o país; contra-imigrantes e pró-imigrantes, MAGAs e anti-trumpistas, defensores da IVG e dos direitos LGBT+ contra religiosos conservadores. Estamos a viver num mundo polarizado, que os “maus actores” como Putin,Trump e companhia exacerbam para se manter no Poder. Não é a primeira vez na História (a última terá sido em 1935-1945) mas é talvez a primeira vez que as opiniões e os níveis de incerteza são tantos e tão universais que nos perguntamos quem nos irá liquidar primeiro: as catástrofes naturais ou as que nós próprios fabricamos? Como dizia Einstein, “a terceira guerra mundial será atómica, a quarta com paus e pedras.”
Não quero acabar estas considerações com uma percepção tão negativa. Há que não esquecer que o Homem, o seu pior inimigo, também é capaz de resolver os problemas que cria e, sobretudo, de sonhar e acreditar sempre num futuro melhor. O fim da História não existe.
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