No contexto socioeconómico atual, marcado por desafios financeiros crescentes e um mercado de trabalho em constante evolução, a literacia financeira emerge como um pilar fundamental para o bem-estar económico e social. Em Portugal, o nível de literacia financeira da população adulta tem sido historicamente baixo em comparação com outros países europeus, o que reflete a necessidade urgente de investir na educação financeira desde cedo. Formar crianças e jovens com competências financeiras não é apenas uma questão de preparação para o futuro individual de cada um, é um passo essencial para o desenvolvimento sustentável do país.

Estudos demonstram que adultos com baixa literacia financeira tendem a ter maiores dificuldades em gerir o seu dinheiro, tornando-se mais vulneráveis ao endividamento excessivo e à instabilidade financeira. Em Portugal, a crise económica da última década revelou fragilidades significativas na forma como muitas famílias lidam com as suas finanças, o que reforça a necessidade de preparar as novas gerações para evitar os erros do passado.

Se a literacia financeira for integrada no ensino desde cedo, as crianças crescerão com uma mentalidade mais consciente sobre o dinheiro, aprendendo a poupar, a investir e a planear as suas despesas com responsabilidade. Assim, estarão mais bem preparadas para enfrentar desafios financeiros ao longo da vida, reduzindo a dependência de créditos e contribuindo para uma economia mais estável.

A literacia financeira abrange um conjunto de conhecimentos e habilidades que permitem tomar decisões financeiras informadas e responsáveis. Isso inclui a gestão do orçamento pessoal, poupanças, investimentos, endividamento consciente e compreensão dos mecanismos económicos básicos.

A Literacia Financeira e Desenvolvimento Económico

Estudos conduzidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo Banco Mundial indicam uma correlação clara entre níveis mais elevados de literacia financeira e melhor desempenho económico e social. Vejamos alguns exemplos:

Países com Alta Literacia Financeira

  1. Suécia: frequentemente classificada entre os países com maior literacia financeira do mundo, apresenta um dos mais altos índices de poupança entre as famílias europeias. Além disso, o país tem níveis relativamente baixos de endividamento pessoal e um sistema bancário robusto. A inclusão da educação financeira no currículo escolar desde cedo contribuiu para esta estabilidade.
  2. Alemanha: a ênfase na educação financeira desde a infância resultou numa cultura de gestão financeira prudente. Dados mostram que a taxa de poupança dos alemães ronda os 10% do rendimento disponível, enquanto o endividamento pessoal é menor do que em países como Portugal ou Espanha.
  3. Países Baixos: com iniciativas como o "Week van het Geld" (Semana do Dinheiro), os Países Baixos implementaram programas abrangentes de literacia financeira. Alguns estudos evidenciaram que os cidadãos holandeses têm maior confiança nas suas decisões financeiras e um menor risco de sobre-endividamento.

Países com Baixa Literacia Financeira

  1. Portugal: de acordo com a OCDE, Portugal apresenta um dos níveis mais baixos de literacia financeira da Europa. Um relatório de 2020 indicou que apenas 26% dos portugueses possuíam conhecimentos adequados para gerir as suas finanças pessoais. Este défice contribui para altos níveis de endividamento das famílias e dificuldades na gestão do orçamento doméstico.
  2. Brasil: a baixa literacia financeira reflete-se na elevada taxa de endividamento da população. Cerca de 70% das famílias brasileiras relataram estar endividadas em 2022, muitas delas recorrendo a crédito de curto prazo com altas taxas de juro.
  3. Turquia: tem um dos índices mais baixos de literacia financeira na OCDE. Consequentemente, enfrenta desafios como uma inflação elevada, desvalorização da moeda e menor capacidade dos cidadãos para planearem financeiramente o futuro.

Países com maior literacia financeira tendem a apresentar:

  • Menor endividamento excessivo: os cidadãos tomam decisões de crédito mais responsáveis.
  • Maior estabilidade económica: famílias financeiramente mais preparadas sofrem menos impacto em períodos de crise.
  • Melhores taxas de poupança e investimento, o que se traduz em maior segurança financeira a longo prazo.
  • Maior inclusão financeira, reduzindo desigualdades sociais e promovendo o desenvolvimento sustentável.

De forma a ilustrar a eficácia da educação financeira desde cedo, vejamos alguns projetos implementados em diferentes países e os seus resultados práticos.

"My Classroom Economy" - Estados Unidos

Programa desenvolvido pela empresa Vanguard, é uma iniciativa educativa aplicada em várias escolas americanas. Baseia-se num sistema de aprendizagem experiencial em que os alunos simulam uma economia dentro da sala de aula, ganhando "salários" por tarefas e aprendendo a gerir despesas, pagar "rendas" e poupar para futuras "compras".

Resultados: a evidência recolhida com este projeto demonstrou que os estudantes que participaram demonstraram uma melhoria significativa na capacidade de planear despesas e compreender o valor do dinheiro. Além disso, muitos dos pais relataram que os filhos começaram a aplicar os princípios aprendidos na escola em casa, tais como criar orçamentos e estabelecer metas de poupança.

"MoneySense" - Reino Unido

O "MoneySense" é um programa de educação financeira gratuito promovido pelo banco NatWest, dirigido a alunos do ensino básico e secundário. A iniciativa disponibiliza materiais interativos e workshops ministrados por funcionários bancários voluntários.

Resultados: verificou-se um aumento significativo no conhecimento financeiro, com melhoria na capacidade de reconhecer produtos financeiros e planear gastos. O impacto foi ainda maior entre os estudantes de comunidades carenciadas.

"The Banqer" - Nova Zelândia

Este programa digital fornece uma plataforma jogável que permite aos estudantes aprenderem sobre economia pessoal através de simulações realistas, incluindo investimentos, seguros e poupança. O "The Banqer" foi implementado em diversas escolas e tem sido elogiado pelo seu caráter interativo e envolvente.

Resultados: as escolas que adotaram o programa relataram um aumento significativo na confiança dos alunos para gerir dinheiro, além de maior envolvimento e interesse pelo tema financeiro.

Implementar a Literacia Financeira nas Escolas Portuguesas

Perante os exemplos apresentados, é evidente que Portugal pode beneficiar de iniciativas semelhantes. Algumas estratégias para implementar um programa eficaz poderiam passar por:

  1. Integração no Currículo Escolar: a literacia financeira deve ser abordada de forma estruturada, inserindo conceitos económicos e financeiros em disciplinas como Matemática e Cidadania.
  2. Uso de Tecnologia e jogabilidade: plataformas digitais interativas podem tornar a aprendizagem mais envolvente e estimulante para os estudantes.
  3. Parcerias com instituições financeiras: bancos e empresas do setor financeiro podem contribuir com materiais didáticos, voluntários e workshops.
  4. Capacitação de Professores: os professores necessitam de formação adequada para ensinar conceitos financeiros de maneira eficaz.
  5. Envolvimento das Famílias: a educação financeira não deve ser restrita à escola. Os pais podem, e devem reforçar, os princípios aprendidos pelos filhos.

A literacia financeira infantil é um investimento essencial para o futuro económico de Portugal. Garantir que as novas gerações possuam conhecimento financeiro desde cedo contribuirá para a redução do endividamento, a promoção da poupança e uma economia mais estável e sustentável. 

Aprender a gerir dinheiro não é apenas uma questão de educação formal. É uma competência de vida fundamental. O compromisso das escolas, das famílias, das empresas e do próprio Estado será determinante para o sucesso desta missão. Afinal, um Portugal mais consciente financeiramente começa com uma infância bem-educada nesta área.

Mas, porquê investir em tamanha mudança de forma estruturada?

As economias e finanças dos países da OCDE estão a enfrentar mudanças estruturais profundas, que irão redefinir a forma como os sistemas económicos funcionam nas próximas décadas. Algumas dessas mudanças mais prováveis e radicais incluem:

  • Digitalização e fintechs 
    • O crescimento das fintechs e a descentralização dos serviços financeiros reduzirão a dependência dos bancos tradicionais.
    • Criptomoedas e moedas digitais dos bancos centrais (CBDCs) podem substituir parcialmente as moedas físicas e alterar a política monetária.
  • Automação e transformação do mercado de trabalho
    • O avanço da inteligência artificial e da automação substituirá milhões de empregos tradicionais, enquanto criará novas oportunidades.
    • A necessidade de requalificação profissional será essencial para evitar o desemprego estrutural.
  • Envelhecimento da população e reformulação dos sistemas de segurança social
    • Países como o Japão, a Alemanha e Portugal enfrentam desafios com populações envelhecidas e menos trabalhadores ativos para sustentar os sistemas de segurança social.
    • Reformas dos sistemas de segurança social serão necessárias para evitar colapsos nos sistemas de pensões.
  • Mudança para uma economia sustentável
    • A transição para energias renováveis e a implementação de impostos sobre carbono vão alterar os modelos económicos atuais.
    • As empresas precisarão de reestruturar modelos de negócios para cumprir regulamentações ambientais mais rigorosas.
  • Novas dinâmicas geopolíticas e económicas
    • A polarização entre grandes economias, como os EUA e a China, poderá criar zonas económicas mais fragmentadas, afetando o comércio global.
    • O protecionismo poderá crescer, exigindo adaptações na forma como os países da OCDE participam no mercado internacional.

Para garantir que estas transformações ocorrem de forma construtiva e sem convulsões sociais, as sociedades devem adotar estratégias proactivas. Eis algumas sugestões:

  1. Educação financeira como pilar central
    • Reforçar a literacia financeira desde a infância para preparar cidadãos para um mundo mais digital e incerto.
    • Criar programas de capacitação para adultos lidarem com mudanças na economia.
  2. Reforma dos sistemas de segurança social e pensões
    • Implementar incentivos à poupança individual para reduzir a dependência dos sistemas estatais de pensões.
    • Diversificar investimentos dos fundos de pensões para garantir sustentabilidade a longo prazo.
  3. Regulação inteligente do setor tecnológico e financeiro
    • Assegurar um equilíbrio entre inovação e proteção ao consumidor na adoção de moedas digitais e serviços financeiros descentralizados.
    • Criar regulamentações claras para evitar crises financeiras relacionadas com estas novas tecnologias.
  4. Políticas de requalificação e adaptação ao futuro do trabalho
    • Incentivar a formação contínua e a requalificação de trabalhadores afetados pela automação.
    • Criar incentivos fiscais para empresas que investem em formação profissional.

O futuro das economias da OCDE será fortemente influenciado pela digitalização, sustentabilidade e novas dinâmicas de trabalho e finanças. Sem preparação adequada, desde a infância e de forma transversal a toda a sociedade, essas mudanças podem levar a crises e convulsões sociais. No entanto, com educação financeira forte, requalificação profissional e reformas inteligentes, as sociedades podem transformar estas disrupções em oportunidades para um desenvolvimento económico mais equilibrado e inclusivo.