A primeira página do The Observer puxa para o topo um título que agarra o essencial, que será legítimo traduzir nesta frase: “Duas pessoas apaixonaram-se e nós estivemos lá todos”. O casamento em Windsor mostrou como a casa real britânica (há quem lhe chame “A Firma”) é uma marca que gere a comunicação com extraordinária competência e perfeição, capaz de suscitar fascínio e ilusão com o sonho que é exibido. As televisões portuguesas, tal como as de todo o mundo, passaram a manhã e entraram pela tarde de sábado a mostrar esse conto de fadas. Seguiu-se em vários dos canais portugueses um espetáculo degradante: o direto, ao longo de duas horas, com o palavreado boçal e rasca da criatura que desesperadamente se agarra à presidência do Sporting.

É sabido que o jornalismo de qualidade é um pilar da democracia. Contribuir para uma sociedade informada, dar os elementos que ajudam cada pessoa a entender o que de relevante se passa à sua volta, permitir perceber as mudanças, é uma responsabilidade principal dos jornalistas. A missão implica que o jornalista estude de modo aprofundado tudo o que está em causa na matéria que tem para contar, de modo a poder enquadrá-la.

Os casos que nos últimos dias envolvem o Sporting ultrapassam o habitual envenenamento que sai do futebol falado nas tertúlias nas televisões. A violência e os choques desencadeados tornaram, evidentemente, imperioso relatar e analisar o que está a acontecer. Mas, sem perder a devida atenção a outros assuntos de inquestionável relevância, e a semana foi fértil em notícias inquietantes, da inaceitável violência mortal sobre palestinianos à ameaça coreana de se escapar à cimeira nuclear, passando pelo pacto para governo em Roma que põe em causa o empenho da Itália na União Europeia.

O tratamento das várias vertentes do “caso Sporting” impõe-se, mas é preciso ter em conta os limites do razoável. O microfone dado a Bruno de Carvalho, por vários canais de televisão, na tarde de sábado, para que ele dissesse tudo o que lhe apetecia, ao longo de duas penosas horas, foi uma demissão do jornalismo. É facto que havia a expectativa de algum anúncio relevante, mas cedo se percebeu que Bruno de Carvalho não iria anunciar a retirada. Perante a evidência de ausência de notícia, não fez sentido que a transmissão em direto tenha continuado. É de desejar que este caso possa ser discutido nas redações para que o relato jornalístico não fique assaltado por um demagogo que, com argumentação degradante e lastimável uso da língua portuguesa, consegue ocupar o espaço de reportagem com propaganda ridícula. Muitas vezes vemos ser cortada a palavra, em nome do tempo útil, a quem tem conhecimento com valor para dizer. Tudo o que Bruno de Carvalho disse naquelas duas horas caberia em dois minutos de relato de um repórter. Tempo mais do que suficiente para contar duas horas de envenenamento.

Que contraste com o apaixonado e mobilizador sermão do bispo Michael Curry, que usou o justificado direto planetário a partir da capela de São Jorge no castelo de Windsor, para explicar a todos o poder revolucionário do amor.

Os britânicos têm o culto dos casamentos que envolvem a realeza. Sabem transformá-los em sucesso popular com êxito comercial, através da venda de toda a espécie de adereços alusivos. Os noivos de agora, salvo catástrofe total, nunca vão reinar – Harry é sexto na linha de sucessão. Porém, “A Firma” dos Windsor teve, uma vez mais, a sabedoria para - por mais que o poder hereditário com os privilégios oferecidos pela graça única do berço familiar, no século XXI, seja obsoleto - oferecer ao mundo, com alta potência mediática, um conto de fadas com valor inclusivo e lado humano a não desprezar. Viu-se como comunidades com outra cor de pele se congratulam pela entrada da mulata Meghan, sem ambiguidades étnicas, na área de poder dos palácios reais britânicos, esperança de apoio num tempo de crescente intolerância no Reino Unido em Brexit. A formidável máquina de “A Firma” sabe mostrar magia. Já tinha mostrado esse talento há 21 anos, quando conseguiu tirar Buckingham do inferno, após a morte de Diana, “princesa do povo”.

VALE DAR ATENÇÃO:

Neste 2018, o festival de cinema de Cannes soube reinventar-se. A quantidade de estrelas no tapete vermelho deixou de ser principal e é generalizada a opinião de que a qualidade dos filmes melhorou e voltou a ser o valor principal. A Palma de Ouro foi para  Shoplifters, de Hirokazu Kore-eda, um cineasta que é uma das referências do cinema de autor no Oriente, que neste filme retoma um tema que cultiva: como o afeto gera vínculos de proteção muito mais intensos do que os decorrentes das relações familiares. Entre os acontecimentos deste Cannes 2018, a Palma de Ouro especial para Jean-Luc Godard, “um artista que fez avançar o cinema, que alargou os limites e que busca continuamente definir e redefinir o cinema”. Godard tem agora 87 anos, e abalou Cannes com Le Livre d’ image, poema sonoro e visual, colagem de textos e de imagens com a memória do cinema e a da humanidade.

Nesta próxima sexta-feira os irlandeses levam o aborto a referendo. O sim urbano e dos migrantes parece com ligeira vantagem sobre o não rural.

A tragédia na Terra Santa analisada pelo Nobel Mario Vargas Llosa.

A Catalunha já tem um chefe de governo, que meteu políticos que estão presos e outros que estão no exílio entre os seus escolhidos. A esperança de resolução da crise institucional está praticamente extinta. Quando será que a harmonia vai poder voltar à convivência catalã?

As núpcias na coroa britânica vistas assim pela The New Yorker.