Não vou aqui perder tempo a contar em pormenor a história da Organização do Tratado do Atlântico Norte, concebida para enfrentar um perigo que nunca se concretizou - a invasão da Europa pela União Soviética - e que entretanto teve pequenos envolvimentos em conflitos localizados: na Bósnia entre 1992 e 1995, na Jugoslávia em 1999, no Iraque em 2001 e no Afeganistão em 2003. Em todas estas operações o principal interventor foi os EUA e alguns países europeus enviaram contingentes mínimos para não parecer mal.

Para os europeus, a NATO representava uma sombrinha protetora dos Estados Unidos em caso de um conflito cada vez mais improvável, e portanto permitia-lhes desinvestir quase completamente na sua defesa. Apenas a Finlândia, que tinha sido invadida e perdido parte do seu território para Estaline, em 1939, nunca deixou de ter serviço militar obrigatório e manter algum equipamento.

Quando a União Soviética implodiu, em 1989, a maioria dos países europeus já tinha feito inúmeros acordos de aproximação, que culminaram com a fundação da União Europeia em Maastricht, no final de 1990. Nessa altura quase todos os países europeus também pertenciam à NATO, mas pouco ligavam a esse compromisso. Outros, como a Suécia e a Finlândia, nem sequer estavam interessadas.

É de notar - agora é fácil, mas eu já escrevi sobre isto há mais de dez anos - que a Europa, e depois a União Europeia, desprezou completamente todas as lições da História, ao criar um espaço económico rico sem forças para se defender e dependente do exterior para as suas necessidades energéticas. Hoje, Fevereiro de 2025, isto parece evidente, mas os dirigentes europeus - e temos de colocar Angela Merkel à cabeça desta falta de visão - julgavam que milhares de anos de História não se poderiam repetir, não sei por que milagre.

Um espaço económico onde impera a abundância e que não tem meios para se defender nem fontes de energia suficiente está condenado, mais tarde ou mais cedo, a auto destruir-se ou ser destruído. Não é preciso ler os 12 volumes de Arnold Toynbee para perceber a dinâmica entre as civilizações mais avançadas, sempre predadoras, e as menos avançadas, sempre complacentes, nem o facto inevitável de que uma civilização, todas elas, tem um momento de expansão, o auge, e depois a inevitável queda.

Desde 1999, altura em que Vladimir Vladimirovitch Putin subiu ao cargo de primeiro ministro da Federação Russa, que não era preciso ler folhas de chá para saber o que aí vinha. Não vou embrenhar-me na carreira deste oficial da KGB - o que não faltam são livros, vídeos e fotos que falam por si - para realçar como a Sr. Merkel, professora de física e filha de um pastor protestante na República Democrática Alemã, caiu que nem uma patinha na chamada Neue Ostpolitik - a aproximação à Federação Russa, que agora era boazinha e tinha gás e petróleo em quantidades imperiais.

Assim, para resumir em poucas palavras o que já deu vários livros, os europeus do Sul compravam a energia que vinha de África através do Canal Mediterrâneo e os europeus do norte compravam-na na simpática Rússia - sendo que os oligarcas russos gastavam a maior parte dos ziliões de euros a viver olimpicamente em Londres ou no Mediterrâneo.

A China, que ficava a milhares de milhas marítimas e só exportava sucata, não seria problema nas décadas mais próximas - e, sobretudo, não era assunto para a NATO sair do conforto dos gabinetes de Bruxelas (a NATO e a UE têm a sede na mesma cidade para facilitar).

Não preciso de manter o suspense, já todos sabemos o que se seguiu: Putin assumiu ao que vinha: primeiro reconstituir a antiga URSS (cujo fim foi o maior desastre político e económico do século XX, segundo ele) e, depois, “estender o Império Euro-Asiático de Vladivostok a Lisboa”. Disse, sim senhor, e está em vídeo.

E uma coisa que ele não tolera é a existência da NATO e, sobretudo, a expansão que a NATO tem tido nos últimos anos, com muitos países que estavam dentro da “cortina de ferro”, assustados com o cariz ameaçador no novo Czar, a pedirem para aderir. E, de facto, a Albania e a Hungria aderiram em 2009, a Bulgária e a Estónia, Letónia, Lituânia Roménia, Eslováquia e Eslovénia em 2004, a Croácia em 2009, a Chechnia em 1999. Finalmente, assustados com a evidência cada vez mais maior das ambições russas, a Finlândia e a Suécia aderiram em 2023.

Ou seja, ao querer impedir a expansão da NATO para a Ucrânia - a primeira desculpa para a invasão - Putin conseguiu o milagre que parecia impossível de reavivar a Aliança.

Não só os velhos membros estão finalmente a rearmar-se o mais depressa que podem, como os novos membros fecharam um círculo de ferro entre o território da atual Federação Russa e o dos seus ex-satélites.

Este é o lado bom da história: todos os países europeus unidos para defender a Ucrânia e eles próprios, se necessário. Mas agora vem o lado mau, da parte de um senhor de quem iremos falar demais nos próximos quatro anos: Donald Trump.

A “ameaça laranja” (obrigado, Theresa Annafin) no seu primeiro mandato, ainda Putin não tinha mostrado as unhas, já tinha dito que não via utilidade prática na Europa e que era indecente os Estados Unidos gastarem um dinheirão na Aliança, enquanto os europeus, a quem ela interessava realmente, gastavam tudo em cerveja. Exigiu uma percentagem mínima no orçamento de cada pais de 2% em despesas militares e deixou a coisa pendurada com muito más perspectivas, enquanto dava abraços amistosos ao seu buddy russo, a fine person. Encontraram-se cinco vezes, sendo que numa delas, em Julho de 2018, sem a presença de intérpretes (o que é contra o protocolo) afirmou que o amigo Vlad lhe tinha jurado que os serviços de informação norte-americanos mentiam quando diziam que ele, Vlad, tinha interferido nas eleições.)

Isto aconteceu já a Rússia tinha invadido a península da Crimeia, em Fevereiro de 2014.

E o que fez a Europa quando os tanques russos entraram pela Crimeia adentro? Ficaram indignados. Bateram com o pé e espetaram o dedo: isto não se faz! Não surpreende que Putin, depois da indignação nos sofás de Bruxelas e do voto de confiança do seu único adversário à altura, tenha pura e simplesmente avançado pela Ucrânia adentro, esperando conquistar Kiev em três dias.

Bem, vamos dar um salto no tempo, para não gastarmos muitos parágrafos a relatar prédios de habitação reduzidos a cinzas, escolas e hospitais incendiados e milhares de homens, mulheres e crianças arrastados pela gadanha da morte. Muita gente já disse e é verdade: não se esperava ver estas cenas na Europa NUNCA MAIS.

Mas nunca se deve dizer nunca, não é verdade?

Estamos a 3 de Fevereiro, em Bruxelas, para mais uma cimeira do NORAD, o comando militar da NATO.

Em primeiro lugar, o balanço: os russos estão inabaláveis, de vez em quando mandam umas bombas hipersónicas e ameaçam constantemente com o nuclear. Os ucranianos resistem bravamente, matam milhares de russos por dia - mas não tantos milhares que cheguem para acabar com todos antes de acabarem os ucranianos. Nos céus voam satélites iranianos, russos, turcos, ucranianos e filhos de país incógnito. Em terra dominam as minas e esta guerra é a primeira em que os carros de combate servem mais de alvos do que de atacantes.

As questões que se levantam aos chefes militares (e depois aos chefes civis) europeus são simples:

1) Os norte-americanos vão continuar a ajudar?

A resposta mais realista é não. Trump já disse várias coisas, aliás todos os dias diz uma coisa diferente, não se sabe se é técnica ou pior, mas já deu a entender que os europeus é que vão ter que se defender sozinhos. Se quiserem material, têm de pagar. Há vários boatos mas nenhuma certeza quando às intenções de sua excelência.

2) Se os americanos não continuarem a ajudar, onde é que se vai buscar o material?

Por muito estranho que pareça a civis como nós, há material de guerra para vender ao desbarato, de origens inconfessáveis. Os problemas são dois: primeiro a qualidade é discutível e a variedade impede uma distribuição lógica; segundo não se pode garantir um fornecimento contínuo.

3) A única maneira de os europeus conseguirem um fornecimento regular de armas e munições é com fabrico próprio. Ora os europeus só têm fabrico próprio nas pastelarias e similares. Já ouvimos relatos de várias origens que dizem que produzimos 47 tipos de materiais, um número indeterminado de calibres, carros blindados de vários tipos incompatíveis, e assim por diante. Estão a ver a situação: os ingleses acham que as medidas são em polegadas, os franceses acreditam é nos jactos deles, os alemães têm poucos fornecedores…

A outra questão é, evidentemente, a mão de obra. Só nove países europeus é que têm serviço militar obrigatório: Chipre, Grécia, Austria, Lituânia, Letónia e Estónia, Finlândia, Suécia e Dinamarca. E não é todo do mesmo nível, como se pode calcular.

Formar um soldado leva tempo e custa dinheiro - isto partindo do princípio de que não haverá falta de mancebos com vontade de sujar as mãos. A melhor (e mais letal) maneira de formar um soldado é em combate, evidentemente. E um dos assuntos na mesa em Fevereiro é precisamente esse.

E depois há a penosa questão dos dinheiros. O sistema financeiro europeu está sob pressão, a atravessar uma forte crise, e o inverno é época de gastar muita energia. Não se vê como desviar verbas de aquecimento para canhões. Ou como fazer os jovens trocarem os telemóveis por metralhadoras.

Os últimos combatentes a sério na Europa terão sido os portugueses, até 1974, que agora estão reformados. Claro que serviço militar obrigatório é isso mesmo, obrigatório. Mas sabemos que com má vontade não funciona. Quantos jovens portugueses quererão arriscar a pele na Ucrânia?

Por fim (mas não finalmente, porque este assunto é ilimitado) há a questão nuclear. Todos consideram que os russos não irão caír nesse buraco auto-destrutivo. Se caíssem, só os norte-americanos estavam em condições de retaliar, e retaliariam com certeza.

A base da defesa nuclear, como muito bem diz o Dr. Strangelove no inesquecível filme de Kubrick, é a dissuasão: “Fazer com que o inimigo tenha medo de atacar.” Em termos nucleares, a Europa só tem números simbólicos a apresentar. Não podem ser considerados dissuasivos os seis submarinos nucleares ingleses e nove franceses. Talvez um total de 160 bombas, que não chegam para as 1710 que os russos teriam. Mas não vamos pensar nisso, credo!

Noutras frentes, a Europa já está perante uma guerra subreptícia à sua volta e em território na NATO, com actos de sabotagem, ciber-ataques, desinformação, interferencia nas eleições e até atentados. Navios russos e chineses andam muito perto dos cabos de comunicações nos mares do Norte e foram cortados cabos no Báltico.

Resumindo: a reunião dos responsáveis da NATO é produtiva em esperanças, promessas e desejos. Quanto à situação estratégica da UE, não estamos a ver que as desejadas promessas se cumpram. Já leram “A História do Declínio e Queda do Império Romano”, de Edward Gibbon? Foi escrito no século XVIII, mas vale a pena voltar a ele, é um grande clássico. Junto com o sempre citado “1984”, do Orwell, cuja leitura é ideal para estas férias europeias, que podem ser as últimas...