Se compararmos fotografias que juntem os principais rostos da guerrilha (armada, política e diplomática) que entre 1975 e 1999 lutou contra a bárbara invasão indonésia com os retratos dos protagonistas da conquista da independência de Timor proclamada há exatamente 20 anos, e se acrescentarmos o retrato de família (meio desavinda) de agora, constatamos que eles são, em grande parte, os mesmos: Xanana Gusmão, José Ramos Horta, Lu-Olo, Mari Alkatiri, Taur Matan Ruak.

Três deles (Xanana, Horta e Taur) já foram Presidente e primeiro-ministro. Alkatiri, líder da Fretilin, estando sempre como figura de topo no poder de Timor, é o único dos cinco que foi primeiro-ministro mas nunca exerceu como Presidente.

Fica assim evidenciada uma falha da geração notável que resistiu ao invasor indonésio, conquistou a independência e colocou os alicerces para o desenvolvimento deste que é o primeiro país do século XXI: faltou começar a integrar no topo do poder político a geração que não fez a guerrilha.

Há gente que já mostrou boa preparação e qualidade, como Milena Pires (foi embaixadora na ONU, renunciou para ser candidata presidencial mas teve votação residual), Mariano Assanami Sabino, Fidélis Magalhães, Rui Araújo (já foi chefe do governo por 2 anos e 211 dias), Zacarias da Costa, Agio Pereira e muitos outros quadros qualificados.

Ramos Horta (provavelmente com Xanana, o mais forte influenciador em Timor-Leste) tem agora a oportunidade que deve ser reconhecida como histórica para puxar os mais novos para a renovação da direção política de Timor-Leste.

O trabalho mais difícil, o da construção e consolidação da democracia, está feito. A criação de infraestruturas avançou extraordinariamente nestes 20 anos de independência. A energia elétrica que em 2002 ainda não chegava a toda a cidade de Díli, agora já está em quase todo o país. Multiplicaram-se as escolas, do básico à universidade – a escola portuguesa em Díli ensina agora 1.200 alunos, fazem falta mais professores. Também se multiplicaram os centros de saúde. O país com 1,3 milhões de pessoas já é cuidado por mais de um milhar de médicos – os cubanos salvaram muito da urgência. Timor tinha uma escassa dúzia de médicos quando em 99 votou pela independência.

Falta em Timor o empreendedorismo. Abunda o café, mas quase tudo está por fazer na indústria agro-alimentar. As novas tecnologias são outra oportunidade. Que avancem start-ups. O turismo é outro setor de alto potencial mas a requerer exigência para que não haja cedências que ponham em causa o valor cultural e natural do território.

Há em Timor formas de expressão artística, tanto tradicional como contemporânea, que merecem sustentação para que cresçam.

Muito das infraestruturas em educação, saúde e comunicações está a ser conseguido com o rendimento de que Timor já dispõe do Fundo do Petróleo. Muito maior robustez vai ser alcançada quando Timor concretizar com a Indonésia um acordo de exploração de recursos no mar como o que já está assinado com a Austrália. Xanana foi hábil a defender os interesses de Timor nas negociações com Camberra. Tem o perfil adequado para conseguir também bom resultado com Jacarta.

A economia familiar timorense ainda está muito dependente das remessas dos emigrantes. Só no Reino Unido há uns 20 mil timorenses (quase todos com passaporte português por terem nascido antes de 2002), trabalham maioritariamente como operários e em trabalhos de limpeza e são origem principal dos 170 milhões de dólares em remessas enviadas por timorenses no exterior para a família, no ano passado. República da Irlanda, Coreia do Sul e Austrália são outros destinos, para além de Portugal e de Moçambique, da emigração timorense.

Timor tem agora uma nova geração qualificada mas a maioria sem posto compatível para trabalhar na pátria. Muitos jovens timorenses fazem a universidade no estrangeiro, muitas vezes com bolsas do governo de Timor, e acabam a ficar fora.

Faltam oportunidades de trabalho e falta que os mais novos possam sentir esperança e confiança no futuro.

Há a perceção de que o país precisa de ter no poder gente em quem os mais jovens, designadamente os que nasceram com a independência, possa ver um espelho: dirigentes políticos que entendam e representem as angústias e as ambições dos mais novos.

No dia de há 20 anos em que Timor Leste ficou independente, o país era – números da ONU então na administração do território – o mais pobre da Ásia e o décimo mais pobre do mundo com rendimento per capita de apenas 478 dólares. A esperança de vida estava em 57 anos. Quase metade da população vivia com menos de meio dólar por dia e mais de metade era analfabeta. A taxa de mortalidade infantil antes dos 5 anos atingia 80 crianças em cada 1.000.

O ponto de partida para a construção do país estava baixíssimo. É extraordinário o que em 20 anos foi conseguido, mas é imenso o que continua por conseguir.

A subnutrição continua a ser um problema gravíssimo, designadamente entre as crianças. É imperioso que se juntem todas as vontades para tratar esta emergência no tempo mais imediato – embora se saiba que não há milagres.

O povo que superou as piores desgraças merece ter apoio para sair da miséria em que muitos ainda estão.

José Ramos Horta tem enorme experiência política. Acompanhei de perto a fase em que nas décadas de 1980 e 90 foi “guerrilheiro diplomático”. Em sucessivas rondas negociais Portugal/Indonésia na ONU ele foi sempre presença valiosa, por conhecedora, nos bastidores da delegação portuguesa liderada por, primeiro, Durão Barroso, depois, Jaime Gama – sempre frente ao indonésio Ali Alatas. Ramos Horta, nesses anos de ocupação indonésia de Timor, sobretudo a partir do massacre de Santa Cruz, em 1991, percorreu o mundo a fazer lóbi por Timor. Esse trabalho de formiga diplomática valeu o Nobel em 1996, determinante para consolidar a sensibilização do mundo para a questão de Timor e para forçar a Indonésia a reconhecer ao povo do território que ilegitimamente ocupava o direito a escolher o seu destino.

Ramos Horta, agora com 72 anos, e após uma década sem cargos políticos, acaba de ser empossado como sétimo presidente de Timor-Leste. O currículo deste Nobel da Paz diz-nos que depois de ter sido (até 1999) líder da guerrilha diplomática, foi ministro dos Negócios Estrangeiros, primeiro-ministro e Presidente.

Agora, volta a ser Presidente. A sabedoria política leva-o a repetir que quer ter Xanana Gusmão como primeiro-ministro. É um regresso às origens, com imensa experiência política acumulado.

Parece legítimo concluir que têm o perfil adequado para conduzirem a sucessão política em Timor, darem oportunidade às novas gerações e, sobretudo, aproveitarem a ocasião para as etapas urgentes de modo a que os timorenses possam viver com a qualidade básica e dignidade devidas, e para que o país possa crescer.

O Presidente Ramos Horta está a apostar muito na integração de Timor na ASEAN. Este bloco de países asiáticos vai certamente puxar por Timor. Mas não basta.

No meio disto tudo, é uma pena que a CPLP seja tão insignificante.

O povo de Timor soube, à custa de muito sofrimento, muitas lágrimas, muito sangue e muitas vidas, conquistar a liberdade, a paz e a independência. A missão que falta cumprir é a do desenvolvimento essencial para cada um dos 1,3 milhões de timorenses e para as gerações que virão a seguir.

Uma jovem timorense segura a bandeira de Timor Lorosae, durante a cerimónia do hastear da bandeira, no Parque das Nações, em Lisboa, na tarde de 20 de maio de 2002. créditos: JOAO RELVAS/ LUSA

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