Tenho receio de andar de avião. Não é bem receio, vá, é mesmo uma cagufa valente que me faz ficar em constante iminência de um ataque de pânico que me fará despir a roupa toda e gritar «Alguém me acuda que isto é um caixão com asas e vamos todos morrer!».

Felizmente, até hoje, sempre me consegui controlar e sofrer em silêncio, sempre com os músculos tensos e a fazer caretas de bebé que provou limão pela primeira vez, a cada poço de ar. Este fim-de-semana lá tive de andar de avião por motivos profissionais. O destino foi o Funchal e o fantasma do acidente mais grave da aviação nacional, que tinha acabado de fazer 40 anos desde que aconteceu, pairava na minha cabeça. «Agora o aeroporto já está melhor!», diziam-me, tentando acalmar-me. Claro, as imagens que fui ver ao YouTube de várias aterragens impossíveis no novo aeroporto, agora Cristiano Ronaldo, com o avião a fazer derrapagens no ar como se fosse um Saxo Cup artilhado da Linha de Sintra, fizeram-me ficar muito mais descansado. Correu tudo bem, pouca turbulência e uma aterragem suave e ainda consegui que me deixassem ir ao cockpit ver se os pilotos percebiam daquilo ou não. Foram simpáticos e apesar de estarem lá sentados sem fazer nada enquanto o software tomava as rédeas daquela trotineta voadora, tranquilizou-me saber que não estavam bêbedos nem eram estrábicos. Ainda pensei tocar nos botões todos e gritar «E agora??!! Era seguro, não era?», mas preferi não ser engraçadinho e viver.

É estranha esta suspensão da racionalidade que não conseguimos controlar em várias áreas da nossa vida. Sendo eu um gajo das engenharias, era de esperar que o meu cérebro analítico e treinado para os números, estatísticas e raciocínio abstrato soubesse ver que o avião é um meio de transporte seguro e que a probabilidade de aquilo se espatifar tudo é de 1 em 11 milhões. É mais provável morrer engasgado enquanto como rodízio e não é por isso que sou magro.

Apesar de achar que ter medo de andar de avião não é totalmente irracional, já que de vez em quando eles caem e morre gente, a probabilidade é tão pequena que é estranho não me conseguir abstrair dela. É uma espécie de Euromilhões ao contrário. A probabilidade de ficarmos milionários a escolher números e estrelas é astronomicamente inferior à de morrermos num desastre de avião, mas sempre que jogamos achamos que é desta e ficamos até desiludidos quando vemos que não ganhámos nada, outra vez. É essa esperança negativa e irracional que sinto a andar de avião: sei que é pouco provável, mas tenho aquele feeling que me vai calhar a mim.

Suspendemos a racionalidade em outras ocasiões, como por exemplo na altura de ir às urnas eleger o novo governante. Acreditamos nas promessas do nosso candidato, apesar das estatísticas dizerem que a maioria nunca será cumprida.

Quando se é do Sporting Clube de Portugal, como eu sou, também se suspende a racionalidade na altura do mercado de transferências e até, mais ou menos, à décima jornada. Achamos que este ano é que é, apesar das estatísticas não jogarem a nosso favor. Chegando à altura do Natal, a racionalidade toma conta de nós e percebemos que afinal a taça não fica em Alvalade, mas ainda nem o campeonato acabou e já estamos outra vez iludidos de que para o ano é que é!

Há quem suspenda a racionalidade no amor e prova disso é o ditado «O corno é sempre o último a saber». Os sinais estavam lá todos, já toda a gente percebia que ela era fresca e tinha todo um «cadastro criminal» sobejamente conhecido na escola, mas aquele rapaz sentiu-se especial e achava que com tudo seria diferente, apesar de um pequeno exercício de estatística lhe mostrar que o limite da probabilidade de sair daquela relação sem a testa ornamentada tendia para zero. Mulheres com homens com fama de mulherengos, mas que elas vão conseguir mudar, também é o prato de cada dia da suspensão da racionalidade.

Nem falemos, já falando, da maior suspensão da racionalidade de todas que é a de acreditar em Deus. A palavra “fé”, por definição, é acreditar em algo sem provas. É o pináculo da suspensão do pensamento racional. Sentir não é prova. Acreditar não é prova. A fé e o medo de andar de avião são mais parecidos do que se julga. São ambos infundados, apesar de haver provas que os aviões caem. O mais engraçado é que se tocam, ainda, noutro ponto, que é o de em caso de queda de avião, fazerem com que um ateu reze. No momento em que vemos um medo irracional a concretizar-se, temos de substituir o vazio de suspensão da racionalidade por outra coisa: «Bem, isto era quase impossível de cair e está a cair, pode ser que rezar afinal sirva para alguma coisa. Não custa tentar.». Boom. Morreu toda a gente na mesma que Deus estava sem rede lá em cima e só viu a mensagem depois.

Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:

Dia 27 de Novembro, vou estar presente no evento ZOOlidário, às 17h, na Faculdade de Letras de Lisboa para ajudar a angariar bens para os animaizinhos fofinhos porque sou muito boa pessoa. Apareçam e ajudem.

Dia 16 de Janeiro, vou estar presente no primeiro grande espetáculo de Stand Up Comedy solidário realizado em Portugal, cujas receitas revertem na totalidade para a Fundação do Gil. Bilhetes neste link.

Para quem tem medo de andar de avião, parece que há aí uma espécie de curso que pode ajudar. Não fiz, não sei se é bom e vale a pena, mas foi-me recomendado: Voar Sem Medo.