A nova geração da esquerda chilena foi determinante para a eleição há três meses de Gabriel Boric (55,8% dos votos), que tinha ficado conhecido nos últimos dois anos como líder do movimento estudantil. Boric, 36 anos, pôs como prioridade a agenda climática, o combate à pobreza, o respeito pelas mulheres e pelos povos indígenas. Defende para o Chile uma sociedade social-democrata inspirada no modelo escandinavo.

A República do Peru elegeu há um ano para presidente o professor rural Pedro Castillo. Desceu de uma aldeia nos Andes para instalar em Lima um “modelo político conciliador”, com respeito “pelos de baixo que têm de ser puxados para cima”.

Tanto no Chile como no Peru as direitas assustaram-se com a chegada à presidência de políticos esquerdistas. O chileno Boric com opções mais moderadas, o peruano Castillo mais revolucionário mas ambos rejeitando o modelo castrista de Cuba ou da Venezuela. Mas o povo preferiu a mudança e não houve concessão aos governantes dos últimos anos.

A Colômbia é um dos cinco grandes países da América do Sul – com Brasil, Argentina, Chile e Peru.

Os eleitores colombianos ao votarem neste domingo na primeira volta das eleições presidenciais introduziram duas surpresas e uma confirmação.

A maior surpresa é a eliminação das forças conservadoras que dominaram a política e os negócios da Colômbia nas últimas duas décadas. O candidato do “sistema”, identificado como direita conservadora recebeu 23% dos votos (5.057.972)

A segunda surpresa é Rodolfo Hernandez, teve 28% do voto (5.953.120) e é definido como um Donald Trump da Colômbia. Poucos deram pelo aparecimento deste candidato ultra a não ser nos últimos dias de campanha.

As sondagens mostram como há cinco semanas ele estava cotado com menos de 10% das intenções de voto (perante 23% do candidato conservador); em pouco mais de um mês o ultra direitista Hernandez passou de 10 para 28%, através de um slogan um milhão de vezes repetido nas televisões: “vou acabar com a roubalheira”.

Quase ninguém apostava em Hernandez. Se a 19 de junho conseguir reunir todos os votos da direita a Colômbia poderá eleger para a presidência uma versão local de Trump. Mas é de prever que muito eleitorado centrista aposte no candidato das esquerdas, Gustavo Petro.

Petro é a confirmação nesta primeira volta presidencial colombiana. Recebeu 40% dos votos (8.527.132), como as sondagens sempre apontaram.

Gustavo Petro, hoje com 61 anos, aos 20 era guerrilheiro na clandestinidade. Optou pelo modelo democrático, foi por duas vezes eleito senador e uma vez presidente da câmara da capital, Bogotá. Amado por muitos, mal suportado por outros, detestado à direita. Lidera um movimento que se apresenta como Pacto Histórico, que reúne todos os partidos da esquerda e alguns movimentos de centro-esquerda. Petro já mostrou que é duro a enfrentar os poderosos clãs do narcotráfico e é forte frente à corrupção muito disseminada pela Colômbia.

Mas o grande trunfo do esquerdista Gustavo Petro é Francia Marquez: esta mãe solteira negra, professora de Direito depois de ter sido mulher a dias e empregada doméstica é o fenómeno político desta eleição. É candidata a vice-presidente na lista de Petro, apresenta-se como “a voz dos que não têm voz” e está a mobilizar muitos que nunca votaram.

De facto, nesta eleição, para além da confirmação de Petro, os fenómenos são dois e ambos populistas com discurso para as extremas: Francia, na esquerda, Hernandez, na direita.

Nesta primeira volta votaram 21,5 milhões dos 39 milhões de colombianos com direito a voto.

Os 45% que no domingo se abstiveram são, provavelmente, a chave que vai abrir a decisão desta eleição.

A direita moderada tem um problema sério com o ultra Hernandez: ele passou o último mês a acusar todos de fazerem parte do clã da roubalheira. Mais: este Hernandez elogiou Hitler e atirou as mulheres para lugar secundário.

A dupla Gustavo Petro/Francia Marquez é favorita na decisão eleitoral colombiana em 19 de junho – mas a surpresa da ultra direita não está excluída. O que parece evidente é que a governação da Colômbia vai ter mudanças radicais.

Em 2 e 30 de outubro é a vez da escolha presidencial no Brasil. Todas as sondagens mostram Lula destacado e encaminhado para voltar à presidência.

O levantamento popular contra as desigualdades crescentes, as tremendas dificuldades económicas, os sucessivos escândalos de corrupção e a péssima gestão da pandemia estão a fazer sancionar sem indulgência os governos dos últimos anos na América do Sul.

Mais do que considerações ideológicas, há entre os povos sul-americanos grande vontade de mudança. A esquerda parece tirar proveito – resta saber por quanto tempo vai resistir esta vaga a favor da esquerda.