Esta semana, a operação internacional Cumberland, liderada pelas autoridades dinamarquesas, permitiu a identificação de 273 suspeitos e a detenção de 25 indivíduos. Os detidos faziam parte de um grupo criminoso envolvido na distribuição de Material de Exploração e Abuso Sexual de Crianças (MEASC, proveniente do inglês CSAM), totalmente gerado por Inteligência Artificial (IA). O principal suspeito, um cidadão dinamarquês, geria uma plataforma online onde distribuía MEASC gerado por IA. Mediante pagamento, utilizadores de várias partes do mundo obtinham acesso aos conteúdos.

Associações de apoio especializado à vítima de violência sexual:

Quebrar o Silêncio (apoio para homens e rapazes vítimas de abusos sexuais)
910 846 589
apoio@quebrarosilencio.pt

Associação de Mulheres Contra a Violência - AMCV
213 802 165
ca@amcv.org.pt

Emancipação, Igualdade e Recuperação - EIR UMAR
914 736 078
eir.centro@gmail.com

Se a violência sexual contra crianças online e nos ambientes digitais já constituía um problema colossal, as imagens geradas por IA vieram torná-lo incomensurável. Atualmente, qualquer indivíduo, mesmo sem grandes conhecimentos tecnológicos, pode produzir MEASC. Este acesso facilitado contribui para o aumento significativo de vídeos e imagens de crianças a serem abusadas sexualmente, e constitui um obstáculo à investigação criminal. Em primeiro lugar, porque dificulta a identificação das crianças nas imagens, tornando incerto se são reais ou completamente digitais – pode haver crime sem haver uma vítima real. Em segundo lugar, porque qualquer abusador pode gerar centenas ou milhares de imagens, aumentando o volume de trabalho para as autoridades.

Importa lembrar que, em 2021, o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC) recebeu mais de 78 mil denúncias de MEASC por dia. No total, registaram-se mais de 29 milhões de casos, dos quais 59% envolviam crianças pré-púberes, ou seja, entre os três anos de idade e a puberdade.

Papel de Portugal e da União Europeia

Até ao momento, ainda não há uma conclusão satisfatória acerca da Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras para prevenir e combater o abuso sexual de crianças. Ou seja, até que esta proposta seja aprovada – o que espero que aconteça em breve –, no espaço europeu as crianças continuam desprotegidas e os prestadores de serviços de comunicações e internet continuam a beneficiar da ausência de regras e leis que garantam a segurança das crianças e jovens.

É verdade que alguns prestadores de serviços desenvolveram ou recorrem voluntariamente a tecnologias para detetar, denunciar e eliminar MEASC. No entanto, sem uma regulação obrigatória, as medidas adotadas por estas empresas variam, e a grande maioria das denúncias provém de um pequeno número de prestadores, sendo muitos os que não tomam quaisquer medidas. Em setembro de 2023, a OCDE publicou que apenas 20% das 50 principais empresas possuem políticas detalhadas sobre prevenção de MEASC.

Até ao momento, o Estado Português continua sem tomar uma posição sobre esta proposta, e esta demora compromete a proteção das crianças e jovens. Quando falamos de violência sexual contra crianças, hesitações e adiamentos beneficiam apenas uma parte: os abusadores. Enquanto se discute o problema, mais imagens e vídeos são gerados e disseminados. A cada segundo, duas novas imagens de MEASC são partilhadas online. Fica a questão: por que continua Portugal a adiar uma resposta firme e urgente?

Ângelo Fernandes é o fundador da Quebrar o Silêncio — a primeira associação portuguesa de apoio especializado para homens e rapazes vítimas e sobreviventes de violência sexual — e autor de “De Que Falamos Quando Falamos de Violência Sexual Contra Crianças?”, um livro dirigido a pais, mães e pessoas cuidadoras com orientações para a prevenção do abuso sexual de crianças.