Contam-nos as estatísticas que as taxas de sobrevivência em oncologia pediátrica rondam os 80%, o que se traduz no facto de um em cada 600 adultos portugueses ser um sobrevivente de cancro infantil e, se pensarmos no panorama europeu, 300 000 cidadãos sobrevivem a esta doença. Sobretudo devido à sua tenra idade no momento do tratamento, estes sobreviventes são a população mais vulnerável aos efeitos a longo prazo provocados pela doença.

Com os avanços da ciência, o paradigma tem mudado: se há algumas décadas se falava numa cura a todo o custo, actualmente todos pensamos e queremos muito mais que isso. Queremos cura com qualidade de vida e é nisso que a comunidade médica investe com determinação, que as associações ambicionam e que as famílias, crianças e jovens desejam desmedidamente no seu mais íntimo pensamento. Sabemos, pela nossa experiência e não só, que a doença redefine a história de vida da criança/jovem, deixando marcas físicas e psicológicas: umas visíveis, outras menos visíveis; umas más, outras boas.

Assim, estamos de olhos bem abertos para os problemas de saúde causados pelo tratamento do cancro como são exemplo os problemas cardíacos, respiratórios, de fertilidade, cognitivos, entre outros, e ao facto de ser necessário um acompanhamento a longo prazo específico para esta população. Mas, por outro lado, damos especial atenção ao crescimento pessoal motivado pelo diagnóstico de um cancro. Vemos sobreviventes com uma maturidade acima do esperado para a sua idade, sobreviventes cuja doença lhes trouxe uma capacidade de estabelecer relações pessoais e profissionais muito sólidas e que reconhecem que o cancro lhes trouxe um novo sentido de vida, mais robusto e pleno de significado. Alguns, se pudessem escolher, voltariam a estar doentes: o tanto de bom que a doença lhes trouxe sobrepõe-se ao inevitável sofrimento provocado pelo diagnóstico e pelo tratamento.

Consciente desta antítese entre o que há de mau e de bom neste percurso, a Acreditar tem traçado um caminho teimoso e ambicioso em torno deste tema, optando por normalizar a vivência do cancro, a sobrevivência, e focando-se nas potencialidades destes jovens.

Se há 24 anos a Acreditar tinha em mãos crianças com cancro, agora, abraça, para além destas, adolescentes e jovens doentes e sobreviventes. Ao foco de outrora juntam-se novos desafios e novas preocupações! Para eles, promovemos oportunidades de diversão, de partilha de experiências, de reorientação de projectos de vida e de capacitação para o emprego, promovemos o espírito solidário junto dos pares e procuramos dar-lhes voz nos contributos que têm a dar à oncologia pediátrica.

Destacando este último propósito, salientamos que, a nível nacional, o Estado e a sociedade em geral não estão ainda plenamente preparados para dar resposta às inúmeras necessidades dos sobreviventes, dando lugar a situações de desigualdade de oportunidades que põem em causa a sua qualidade de vida. São os próprios que assumem a necessidade de estarem mais bem informados sobre a doença e as sequelas que pode acarretar; são os próprios que procuram cuidados de acompanhamento médico e psicológico a longo prazo para as suas especificidades enquanto sobreviventes de um cancro; são os próprios que alertam para a necessidade de olharmos para quem cuida, para os pais, cujos interesses e direitos não são atendidos no seu todo aquando o acompanhamento do filho; são os próprios que nos alertam que o cancro infantil tem de ser falado nas escolas para que professores, alunos e pais se preparem para a eventualidade de lidar com uma criança doente; são os próprios que se mobilizam para sensibilizar a sociedade, esclarecendo falsas crenças em torno do tema e evitando possibilidades de discriminação aqui e ali. Estamos lado a lado na busca incessante destas conquistas.

Neste caminho que temos percorrido com os sobreviventes de cancro infantil, sentimo-nos plenamente integrados no âmbito internacional, com a modéstia necessária para aprender com o que noutros países se faz, mas também com a convicção de sermos capazes de servir de inspiração. Mais importante, é ainda admitirmos humildemente que o que já está feito é muito menos do que aquilo que há por fazer, sublinhando que, tanto na prática como na investigação, a mira deve estar posta numa perspetiva realista, não estigmatizante e mais integradora em torno da sobrevivência ao cancro infantil.


A Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio a todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional e social. Com a experiência de quem passou pelo mesmo, enfrenta com profissionalismo os desafios que o cancro infantil impõe a toda a família. Momentos difíceis tornam-se possíveis de viver quando nos unimos.