1. O Brasil prepara-se para viver um dia histórico, este sábado, 29 de Setembro de 2018. Milhões de pessoas deverão manifestar-se em centenas de cidades pelo país, e em 14 países, incluindo Portugal. O Largo da Batata, em São Paulo, e a Cinelândia, no Rio de Janeiro, não deverão bastar para a multidão. Vi muitas mobilizações no Brasil ao longo dos anos mas nenhuma como esta. Iniciada pelas mulheres, alastrou a todos os campos democráticos, incluindo os mais improváveis. Grupos com nomes delirantes brotam a cada minuto nas redes sociais, agrupando hordas para a grande concentração, prova de como o humor vai à luta, também.

Tudo isto contra o mais detestado candidato a presidente da história: Jair Bolsonaro, também amplamente conhecido como Bolsonazi, ou só Coiso. O problema é que os 60 por cento de rejeição que ele já atingiu ainda não garantem nada. Ainda há 28 por cento de brasileiros que tencionam votar nele, segundo a última sondagem.

2. Em Portugal, as principais concentrações acontecem no Porto, Praça dos Leões, às 15h, e uma hora depois em Lisboa, Largo de Camões, e em Coimbra, Praça 8 de Maio. Mas entre eu escrever isto e chegar ao leitor, outras convocatórias podem já estar em marcha. Na concentração de Lisboa há ainda uma nota: “Vamos dedicar este ato a Marielle Franco. Seremos todas Marielle! Venham com um lenço, turbante ou qualquer outro adereço, camiseta ou cartaz que faça referência a nossa companheira cujo brutal assassinato continua sem resposta.”
Vereadora negra assassinada em Março no centro do Rio de Janeiro, Marielle tornou-se um símbolo da luta feminina, negra, por direitos LGBT. A manifestação portuguesa de amanhã será, pois, um #elenão cruzado com #mariellepresente. A organização é de “mulheres em luta contra o homem que representa e propaga o ódio a mulheres, negros, indígenas e LGBTs”.
No caso de Jair Bolsonaro, nada disto é subjectivo. Não faltam gravações dele a defender a tortura, a ditadura, a repressão de mulheres, gays, pobres, negros, indígenas, a militarização da sociedade.

3. Esta gigantesca campanha contra a eleição de um fascista/psicopata é um sinal esmagador também de como a força das mulheres cresceu no Brasil em pouco tempo. Inimaginável há dez anos tanta voz junta, tanta mulher a sair, a falar em luta. Muitas negras, pobres. Muitas candidatas municipais, estaduais, federais. Um feminismo activo, hoje no centro do debate, no centro do centro, quando há meia dúzia de anos seria visto como uma franja, uma margem, radicais. Foram as mulheres que em pouco mais de 24 horas atingiram um milhão no grupo de Facebook Mulheres Contra Bolsonaro, depois hackeado. Vai em milhões e desdobrou-se em muitos mais. Elas puseram tudo a mexer, todo o resto. E o resultado vai explodir amanhã, tudo indica.

4. Nas vésperas, o movimento divulgou um manifesto: “Somos mulheres, milhões e diversas. Somos brasileiras e imigrantes. Jovens e de cabelos brancos. Negras, brancas, indígenas. Trans e travestis. Somos LGBTs, amamos homens, mulheres ou ambos. Casadas e solteiras. Mães, filhas, avós. Somos trabalhadoras, donas de casa, estudantes, artistas, funcionárias públicas, pequenas empresárias, camelôs, sem teto, sem terra. Empregadas e desempregadas. Mulheres de diferentes religiões e sem religião. Estamos, hoje, juntas e de cabeça erguida nas ruas de todo o Brasil porque um candidato à presidência do país, com um discurso fundado no ódio, na intolerância, no autoritarismo e no atraso, ameaça nossas conquistas e nossa já difícil existência. Estamos na rua porque seu programa político econômico é um retrocesso, uma reprodução piorada das políticas terríveis do Temer.”

5. O centro-esquerda está dividido quanto ao adversário mais forte contra o Coiso. Fernando Haddad — que substitui Lula, barrado da corrida — tem subido nas sondagens, mas a rejeição ao PT, seu partido, é muito forte também. Ciro Gomes é a alternativa, mas com uma candidata a vice-presidente difícil de engolir. Qualquer um deles deverá vencer Bolsonaro na segunda volta. Marina Silva, mais abaixo nas sondagens, também o venceria. Mas idealmente Bolsonaro não deveria passar da primeira volta, e a questão é esta: ainda está à frente nas sondagens.
A próxima semana no Brasil vai ser um tudo por tudo. Aconteceu de outras vezes, só que desta vez uma parte do país está acordada como nunca: a feminina.
Amanhã vamos ver, nas ruas.