Quem me conhece sabe que aprecio animais. Tanto do ponto de vista de lhes fazer festas e dar mimos, como do de os comer, depois de bem cozinhados, ou mal, no caso de ser vaca ou pato. Agora que conseguimos eriçar os veganos que estejam a ler isto com falta de vitamina B12 e de sentido de humor, vamos ao que interessa: foi aprovada a lei que permite que os animais de companhia entrem em estabelecimentos de restauração.

Sempre fui a favor disso, tal como sou a favor que seja o dono do estabelecimento a decidir se quer ter um espaço em que é permitido fumar ou não. Só vai lá quem quer e quem não quer vai ao restaurante ao lado.

Por isso, é com bons olhos que vejo esta nova lei. Contudo, apesar de confiar nos animais, não confio nos seres humanos e acho que esta lei vai causar problemas. Se a maioria dos animais são boa gente, o mesmo não se pode dizer dos que lhes seguram a trela. Se vemos pais que não conseguem controlar os filhos num restaurante, deixando que os pirralhos andem aos gritos e a encher tudo de ranho em seu redor, como vamos garantir que vão conseguir controlar os seus cães? Sim, claro que os cães são mais civilizados do que as crianças, mas mesmo assim tenho receio. Sim, estou a partir do pressuposto de que as pessoas só vão levar cães. Levar gatos seria ridículo já que toda a gente sabe que os gatos são idiotas e não merecem jantar fora a não ser na varanda, a ver se fogem e não voltam mais.

Há um café perto de minha casa que está sempre vazio e tenho uma ideia do porquê: a dona tem lá dentro os seus dois gatos que desfilam em cima do balcão, panando tudo o que é bolos e salgados com toxoplasmose, e o interior do estabelecimento tem sempre um aroma de urina de gato que, das poucas vezes que lá entrei, quase me fazia bolçar na própria boca. Cheguei a ver a caixa com areia ao lado do tabuleiro dos pastéis de nata. Aquela senhora, claramente, não tem noção. Percebo que aturar clientes seja uma chatice e que assim o dia seja mais calmo, mas aquilo é de um nojo que só vendo - e cheirando - para crer. Portanto, estas pessoas existem e estas pessoas vão levar animais para restaurantes. Por tudo isto, prevejo vários problemas:

  • Vão pegar-se dois cães, seja à luta ou a fazer o amor, e vai haver discussão entre os donos. Voarão mesas e cadeiras e alguém se irá queimar com café.
  • Alguém levará uma cadela com o cio para um restaurante só para provocar os machos e subir o ego do dono que pensa "A minha cadela é mesmo gostosa, todos atrás dela".
  • Haverá um artista que vai levar um papagaio no ombro a fingir que é pirata e esse papagaio vai cuspir vernáculo a noite toda, fazendo com que os pais tapem os ouvidos das crianças.
  • Haverá outro artista que irá fazer-se acompanhar por uma tarântula com trela e, depois de não deixarem entrar, vai pedir o livro de reclamações escrevendo que os animais de companhia são os que cada um escolhe.
  • Haverá um vegan que irá virar-se para a mesa do lado e iniciará uma discussão com a seguinte frase: "O bitoque está bom? Imagine que era o seu cão nesse prato".
  • Do nada, estalará uma gritaria com pessoas a subir para as cadeiras exclamando "Que nojo! Um rato!". O dono do restaurante apressa-se a matá-lo com uma pisadela mesmo na cabeça e só depois percebe que era o Casimiro, hamster de estimação de um dos clientes.
  • Haverá um toureiro que irá levar um touro ao restaurante dizendo que é o seu animal de companhia e que sem o seu toureiro amestrado já estaria extinto. Depois, pede um naco na pedra que veio da Clotilde, mãe dos filhos do touro.

Não é que isto não vá proporcionar momentos de deleite, mas preferia que esta lei se aplicasse a hotéis e que os obrigasse a aceitar animais já que a dos restaurantes de nada me servirá.  A minha cadela não gosta muito de outros cães e, por isso, não a levarei a jantar fora sabendo que poderá haver por lá outros canídeos com os quais ela irá querer andar à porrada. Não querendo parecer arrogante, temo que haja muita gente com menos discernimento do que eu e que levem os seus cães que são o reflexo dos seus donos: mal-educados e que só saem de casa para arranjar conflitos. Não que a minha Zaya seja o meu reflexo, mas ainda tem muitos traumas causados pelo seu anterior dono e por ter estado na solitária num canil vários meses. Bem a tento ensinar, mas ela é como os gatos: muito independente, que é como quem diz, burra.

Esse caos espalhado pelos animais não me faz confusão. Não tenho problemas de estar a desfrutar de uma bela mousse de chocolate e o cão das pessoas da mesa ao lado decidir efectuar uma excelsa poia no chão porque os donos saíram de casa a correr e não o passearam convenientemente. Por mim é na boa, sou uma pessoa que come perfeitamente uma fatia de salame enquanto está sentada na retrete para maximizar o meu tempo, que é precioso. Prefiro um cão a ladrar porque lhe cheira a leitão e ninguém lhe oferece, do que uma criança a berrar porque queria um gelado Pingu de chapéu azul e não amarelo. Prefiro um cão a fazer amor com a minha perna do que um bebé com um iPad na mão a ouvir uma história com som em altos berros, só porque os pais não querem aturá-lo.

Portanto, comigo está tudo bem, mas antevejo quezílias com outros frequentadores de restaurantes menos tolerantes. Acho que haverá um Bernardo algures a reclamar por o seu cogumelo recheado em cama de espinafres com vinagre balsâmico ter um pelo do labrador. Como em muitas leis, a ideia é boa e apoio-a, mas o problema são as pessoas: estragam tudo. A maioria das pessoas não tem noção e, por isso, marquem as minhas palavras: vai dar merda. Literalmente, e não só.

Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:

Adoptem animais em vez de comprar.

Não abandonem animais, especialmente se for uma tarântula.

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