A Google é fundada em 1988 por dois jovens da Universidade de Stanford, Sergey Brin e Larry Page, que queriam fazer um novo tipo de motor de busca. Jeff Bezos, já engenheiro electrotécnico de 30 anos, com experiência de vendas por email, regista a Amazon em 1992, para vender livros online. O Facebook é lançado por Mark Zuckerberg, para conectar exclusivamente os seus colegas da Universidade de Harvard, em 2004.
(Já agora, para completar o naipe dos chamados cinco “big tech”, temos a Microsoft, cujo primeiro sistema operacional em linguagem BASIC é desenvolvido por Bill Gates e Paul Allen para o computador ALTAIR 8800 em 1975, e a Apple, que começa por montar computadores pessoais muito simples na garagem dos pais de Steve Jobs em 1976.)
Quando Brin e Page criaram a Google, a Microsoft já era um titã que fazia sistemas operacionais para milhões de computadores pessoais e a Apple fazia tudo, computadores e sistemas operacionais.
Não vamos aqui contar a história toda do desenvolvimento da informática, ou do comércio online possível pela informática, mas o facto é que estas empresas, cada uma à sua maneira, foram crescendo em mercados que não existiam e que passaram a ser de primeira necessidade – em parte graças a elas, em parte porque elas criaram essas necessidades.
Só para dar uma ideia, em 1980, as dez maiores empresas dos Estados Unidos eram, por ordem, a Exxon Mobil (petróleo), General Motors (automóveis), Mobil (petróleo), Ford (automóveis), Texaco (petróleo), Gulf Oil (petróleo) IBM (computadores mainframe), General Electric (maquinaria pesada) e Amoco (petróleo). A AT&T, telecomunicações, estava em 19º lugar, a Boing em 29º e a Kodak em 30ª. Ou seja, tirando a IBM, que fazia computadores que ocupavam uma sala, e a AT&T, que dominava os telefones (fixos) era praticamente tudo petróleo e alguma maquinaria. A Kodak, que tinha praticamente o monopólio do material fotográfico e cinematográfico, acabou por desaparecer.
Outro indicador interessante é que havia muito mais pessoas a trabalhar em empresas com menos de 100 empregados do em companhias com mais de mil. Ou seja, a pequena economia tinha mais peso no mercado de trabalho.
Mas em 20 anos tudo mudou. Em 2019, a Amazon aparece em segundo lugar, a Apple em quarto e a Alphabet (dona da Google) em 11º. E a Microsoft, a primeira “big tech”, aparece muito mais abaixo, porque nestes anos subiu muito e já está na descendente - outra história para contar.
A Microsoft, e aí está um precedente entre as cinco, em 1980 foi alvo de um processo anti-trust famoso, acusada de aproveitar o seu dominínio para eliminar um concorrente. A empresa vendia sistemas operacionais para todas as marcas de computadores – menos a Apple – e incluía nos seus programas o navegador Explorer, o que levou ao desaparecimento do primeiro e mais popular navegador da altura, o Netscape. A partir daí, o Explorer foi perdendo terreno e hoje é praticamente irrelevante. Os mais usados são o Chrome (da Google) o Safari (da Apple) e o Firefox (da Mozila) .
As três empresas de que falamos cresceram exponencialmente nestes anos – a tal ponto que dominam quase completamente os mercados que criaram. Essa megadimensão apresenta vários problemas: têm influência política através de lobiistas, advogados e doações a campanhas políticas; determinam os salários dos seus funcionários; e esmagam os concorrentes que aparecem. São o equivalente a monopólios.
A Amazon, por exemplo, em 2018 fornecia 49% das vendas online nos Estados Unidos – 5% de todas as vendas de retalho no país. Com um catálogo de doze milhões de produtos, contava com 197 milhões de clientes no mundo todo. Esta posição permite-lhe fazer imposições de toda a ordem aos fornecedores, muitos dos quais dependem da plataforma para sobreviver, como também sugerir produtos aos clientes que lhe dão maior margem de lucro, baseando-se nas suas preferências. Para não falar nos salários baixos e ritmos excruciantes de trabalho que impõe aos seus um milhão e duzentos mil empregados.
O Facebook é outra questão, mais complicada. Com 2,7 mil milhões de utilizadores (isso mesmo, 2.700.000.000) em 2020, e com algoritmos que permitem detectar as preferências de cada um deles, pode vender publicidade dirigida com precisão segundo qualquer segmento: idade, sexo, região, hábitos, manias, vícios, etc. etc. Além disso, com outros algoritmos, controla e censura preferências e tendências políticas. Esta última possibilidade tem sido objecto de intermináveis discussões a nível governamental, sem que se tenha chegado a nenhuma conclusão – ou melhor, a nenhuma forma de legislar sobre esta possibilidade de divulgar notícias parciais, falsas ou perigosas. Além disso o Facebook é dono do Instagram e do WhatsApp, o que multiplica infinitamente a sua influência.
E chegamos assim à mais “perigosa”, do ponto de vista de domínio e manipulação de mercado, a Google – tão perigosa que esta terça feira, 20 de Outubro, finalmente o Ministério da Justiça norte-americano iniciou um processo federal contra a Alphabet, apoiado em processos paralelos dos MJ de vários Estados.
A acusação é de monopólio ilegal das pesquisas na Internet e da publicidade online. A investigação mostra que a Google é dominante em comunicações, comércio e media há vinte anos. No ano passado gerou 34, mil milhões de dólares em receitas de publicidade, só nos Estados Unidos. Com a pandemia, espera-se que este valor suba para 42 mil milhões de dólares em 2020.
Há também a situação da parceria da Google com a Apple, que a usa como ”default” nos seus aparelhos. 10 das 100 apps mais descarregadas nos iPhones são da Google. A Apple recebe entre oito mil e doze mil milhões de dólares por lhes dar essa preferência – cerca de 15 a 20% das receitas da Apple. Mas, evidentemente, a maior parte dos apps da Google, na ordem dos milhões, estão nos smartphones do seu próprio sistema operacional, o Android. (Pode encontrar estatísticas completas – e mirabolantes – dos downloads de apps aqui.
O que está implícito nesta investigação é que as grandes tecnológicas se tornaram tão poderosas que acabam por ser prejudiciais para o desenvolvimento económico de outras empresas que queriam entrar ou sobreviver no mercado.
A Alphabet contrapõe que não é um monopólio, uma vez que os consumidores têm outras opções, e vai usar o seu enorme poder económico para, através de batalhões de advogados e lobiistas, arrastar o processo por vários anos. A empresa, com um valor em bolsa de 1,04 trilhões de dólares e reservas líquidas de 120 mil milhões, já teve de enfrentar processos semelhantes na Europa.
A União Europeia concentrou-se nos resultados do algoritmo de pesquisa da Google, pois o sistema Android, inventado pela empresa, dá uma hierarquia de preferência aos seus anunciantes.
Em 2018 aplicou-lhe uma série de multas e obrigou-a a deixar de instalar o seu motor de busca nos smartphones Android.
Trata-se do mesmo problema que a Microsoft tinha enfrentado em 2000, com a instalação automática do Explorer nos computadores com o seu software.
Mas não se pode impedir legalmente as preferências dos consumidores. É o caso do Word, o processador de texto da Microsoft, que é o “default” de entre 77 e 87,8% dos utilizadores. O sistema operacional da empresa, o Windows, está instalado em 87,76% dos computares, contra 9,61% do MacOS. (Estatísticas completas aqui.
No caso do gmail, da Alphabet, é usado por 1.8 mil milhões de pessoas, uma quota de mercado de 43% de todo o serviço de email.
Esta predominância colossal já há muito tempo que foi notada pela comunicação social, que aliás tem sido muito prejudicada em perda de receita publicitária. Entre os muitos exemplos deste alerta, podemos ler um artigo de Brian Chen, no “The New York Times”.
Diz ele: “Duas décadas depois (de começar a utilizar o Google) a minha experiência é consideravelmente diferente. Quando faço uma pesquisa no Google em 2020, passo mais tempo no universo da empresa. Se procurar bolachas de chocolate, por exemplo, vejo anúncios Google de bolachas de chocolate, receitas que o Google encontrou por toda a Internet, e mapas de localização e avaliações das lojas mais próximas, e ainda vídeos do YouTube com receitas de bolachas de chocolate. (O YouTube, é claro, pertence à Google).
No meu iPhone, uso apps da Google para ver fotografias e mapas, além das ferramentas do calendário, email e documentos. No computador e no tablete, uso o pesquisador da Google como default na barra de pesquisa. No trabalho, uso o Google Finance par ver cotações, o Google Drive para armazenar documentos, o Google Meet para teleconferências, e o Google Hangouts para comunicar com os amigos.
Quando navegamos pela Internet, provavelmente interagimos com a Google mesmo sem perceber. Isso é porque a maioria das páginas web que visitamos contêm anúncios e tecnologias da Google, que registam a nossa navegação. Quando vemos um artigo com um anúncio colocado pela Google, a empresa regista o artigo que vimos, mesmo que não façamos click no anúncio.
E, imaginem, a maioria dos anúncios vêem através da Google. No ano passado, a Google e o Facebook receberam 59% da publicidade digital, de acordo com a eMarketer. A Google domina 63% dessa publicidade. (…) A Google é a barra de pesquisa default para o navegador Safari, do iPhone, desde 2007. O gmail é o serviço de email mais popular do mundo, com mais de 1,5 mil milhões de utilizadores, portanto o mais provável é que o use no seu iPhone. (O segundo mais usado, o Outlook, ex Hotmail, tem apenas 300 milhões.) E veja lá se encontra outro serviço, além do YouTube, para ver receitas de bolachas de chocolate ou vídeos de música.”
“Fantástico, pensei com os meus botões. O desenho minimalista da Google era uma alternativa refrescante aos outros motores de busca de antigamente – quem se lembra do AltaVista, do Yahoo! e do Lycos?”
Pois é, contra isto não há legislação possível. Multar as empresas, é apenas uma forma de as taxar mais pesadamente, mas não modifica a sua predominância. Talvez uma possibilidade fosse obrigá-las a vender subsidiárias, como muitas vezes se faz na legislação anti-trust. A Google podia ser obrigada a vender o YouTube, e o Facebook a fazer o mesmo com o Instagram e o WattsApp. Mas não parece haver, nem na Europa nem nos Estados Unidos, força política para tanto. Não é vontade, é mesmo força.
Em termos mais filosóficos (ou ideológicos, se quiserem) não parece justo punir os inventores/empreendedores pelo sucesso dos seus negócios. Crescem, porque apareceram na altura certa e são melhores do que os outros. Um sistema fiscal progressivo pode reduzir-lhes os lucros, mas não a influência. E não me venham com tiradas anti-capitalistas; o capitalismo é que permite o conforto em que vivemos e substituí-lo por um capitalismo de Estado apenas diminuiria o incentivo para criar novas e maravilhosas invenções.
Boa sorte, Ministério da Justiça norte-americano. E agora vou fazer umas buscas no Google, que aliás me ajudou, e muito, a pesquisar para este artigo.
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