Parece evidente que os independentistas descuraram um pilar fundamental: debater todas as consequências, em especial os perniciosos efeitos sobre a economia. Os dois principais bancos que estavam domiciliados na Catalunha, Sabadell e CaixaBank já votaram de modo robusto contra a independência ao mudarem a sede para fora da Catalunha. A maior multinacional catalã, a Gas Natural, tomou a decisão de levar a sede para Madrid. Outras empresas de topo estão a estudar atitude parecida, é o caso da Abertis, Cellnex e muitas mais. Até emblemas da cava, o espumante catalão, como a Codorniu e Freixenet ponderam mudar-se. Em fundo está o temor de boicote à sua marca.

O soberanismo catalão cresceu numa enorme onda coletiva, mas ficou na nuvem da ilusão, faltou-lhe descer ao concreto do dia a dia. A romântica euforia independentista avançou sem que tivesse sido explicado e discutido o custo da transição para a independência. Não foi sequer acautelado o enquadramento externo. A Catalunha independente ficaria imediatamente fora da União Europeia e da zona euro, ainda que talvez apenas por um tempo. Ficaria, também temporariamente, fora do que resta do chamado estado de bem-estar europeu. Pode ser uma opção, desde que consciente. Sem deixar de ponderar que a economia, às vezes, sobrepõe-se aos sentimentos.

Não há dúvidas sobre a vontade soberanista de alguns milhões de catalães. Choca com a de outros e é repudiada por dezenas de milhões de espanholistas. A consulta popular em 1 de outubro corroborou a ambição independentista de tanta gente, que deve ter passado a ser ainda mais, em fúria contra a agressiva e estúpida repressão pela polícia ao serviço do poder espanhol. As penosas imagens da brutalidade policial correram o mundo e deixam a Espanha com má imagem.  Mas a consulta, tal como foi convocada, tendo sido uma valente demonstração de determinação independentista, não pode valer pela completa ausência das garantias democráticas que envolvem uma votação com esta dimensão. Houve entrada em aventura, saltando sobre as normas.

O independentismo catalão está ofendido e humilhado pela repressão no dia da consulta e pelo que ouviu nos discursos espanhóis, designadamente o do rei, nos dias seguintes.

O espanholismo está ofendido e desafiado pelo que o independentismo tem dito e feito. Isto levou a que nunca tantas bandeiras espanholas tenham sido desfraldadas e exibidas na Catalunha como no último domingo.

Este 10 de outubro surge-nos como um dia decisivo no processo da Catalunha. Lastimavelmente, antes, não houve a inteligência para dialogar e procurar soluções políticas. Ainda pode ser possível, antes de tomar a forma de negociação de armistício, desde que não sejam tomadas decisões que o tornem impossível. Se o governo de Madrid responder à declaração de independência com a suspensão da autonomia que a Catalunha já tem, o impasse fica ainda mais grave.

O processo de independência da Catalunha tem avançado à margem da ordem constitucional espanhola. Com a falta de diálogo para buscar compromissos, o caminho pela frente é o que leva uns e outros ao abismo de um confronto que coloca a Europa perante a mais grave crise desde a separação violentíssima da ex-Jugoslávia.

Tudo faz crer que as próximas horas são críticas. Tudo passa por ainda dar uma oportunidade ao diálogo, ou fechar-lhe as portas e passar ao confronto.

Haja esperança de responsabilidade dos políticos e que avancem para o diálogo. Que pena o rei ter desperdiçado a sua oportunidade.

Também parece conveniente que os cidadãos sejam chamados a votar para deixarem claro o que querem, depois destes alucinantes acontecimentos.

VALE VER:

Esta reportagem, no The Guardian, que nos conduz pela devastação em Raqqa, na Síria.

Também escutar, a voz dada pelo The New York Times, a vidas que viveram o inferno de Auschwitz.

Bibliotecas, mostradas pela BBC, onde o invólucro amplia a perdição.

Três primeiras páginas escolhidas hoje: estaesta e esta.

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