O dia de ontem foi marcado pelos caucuses do estado de Iowa. O que é um caucus? Boa pergunta. É daqueles conceitos da política norte-americana que parecem trigonometria misturada com física quântica com um tempero de fenómenos do Entroncamento. Basicamente, os caucus são uma grande chatice. Em vez de, como ocorre em eleições primárias, o eleitor pôr o voto na urna e pôr-se a andar, tem de participar numa espécie de reunião de condomínio em que as pessoas (os caucus-goers) se dividem em grupos pelos candidatos que apoiam. É como se tivéssemos a escolher equipas para jogar à bola no recreio, mas em que o gordo tem os mesmos direitos que os outros e não é obrigado a ir à baliza (sei do que estou a falar). O que interessa é que tudo isto constitui o início da batalha pela nomeação democrática, ou seja, é o início de uma jornada de 5 meses que se concretizará na escolha adversário de Donald Trump.

Até ao momento em que escrevo esta crónica, os resultados ainda não foram divulgados. Mas as sondagens dão a vitória a Bernie Sanders, o senador de Vermont que se identifica como democrata socialista e que já concorreu contra Hillary Clinton nas primárias de 2016. Não sabemos se irá sair vitorioso do Iowa, mas uma vitória de Sanders levá-lo-ia a ganhar um elã que podia pôr em causa as ambições do candidato do establishment, Joe Biden. Bernie Sanders não tipifica o candidato ideal para os democratas - e há anos que se diz que tem uma agenda demasiado progressista para a realidade dos EUA - mas a verdade é que, mais uma vez, o partido Democrata tem vindo a descartar as possibilidades e o vigor do apoio popular de Bernie, tratando-o como se fosse uma espécie de Tino de Rãs idealista.

Joe Biden é claramente o candidato do sistema. É uma espécie de Hillary II. Não há absolutamente nada de politicamente sedutor em Joe Biden. É preciso ter em conta que os últimos quatro anos foram devastadores para toda a gente que não usa um chapéu MAGA e/ou é rico e é essencial derrotar Donald Trump já em novembro. Mas não basta derrotar Donald Trump, é preciso derrotar a visão do Mundo que a sua vitória fez triunfar. Joe Biden não representa uma nova visão, apenas o refugo do legado de Obama, que comprovadamente não serviu para derrotar Trump em 2016. É como se o Sporting fosse buscar o adjunto do Paulo Bento, porque este último conseguiu uns sólidos segundos lugares.

Já Bernie Sanders significa mudança, da mesma forma que Obama significou em 2008 - sendo que Obama não foi capaz de a operar essa mudança na plenitude. Bernie tem a vantagem de ser Bernie há décadas e décadas, fiel ao seu discurso e comprometido com o progresso. É o candidato mais vocal com o Medicare for All, plano que resultaria no fim do absurdo civilizacional que acontece na saúde nos Estados Unidos. Subscreve também o Green New Deal, um plano rooseveltiano que pretende alterar a estrutura da economia para combater tanto as alterações climáticas como as desigualdades.

Por último, Bernie Sanders, apesar de ter 78 anos, parece ser o único candidato que constitui a voz dos jovens. A sua capacidade de mobilização junto dessa faixa etária pode ser essencial para derrotar Trump. Há toda uma geração que está amarrada por dívidas académicas, com trabalhos precários, sem possibilidade de constituir família e revoltada com os níveis sem precedente de desigualdade que se pode juntar a Bernie não só para derrotar Trump, como para finalmente, pela primeira vez na vida, sentir que existe politicamente.

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