Se o leitor solteiro passou a noite de S. Valentim a comer Haagen Dazs Dulce de Leche e - numa súbita vontade de arranjar companhia para futuramente fazer conchinha - voltou a instalar o Tinder, faça atenção. O melhor é ligar já ao seu gestor de conta para reduzir o plafond do seu cartão de crédito. Pelo menos, essa é uma das lições a tirar do documentário The Tinder Swindler (O Impostor do Tinder), da Netflix. Shimon Hayut, israelita de 31 anos, dizia ser herdeiro de um império de diamantes e terá burlado os seus matches em mais de 10 milhões de euros.

Apaixonadas pelo um príncipe encantado que encontraram no meio de zeros e uns e que lhes oferecia um estilo de vida só possibilitado por uma conta com um um seguido de muitos zeros, as várias mulheres emprestaram, sem garantias, centenas de milhares de euros, que alegava estar a ser perseguido por “inimigos” com intenções de o matar. O homem acabou detido, mas hoje vive em liberdade. Já as vítimas, não conseguiram reaver o seu dinheiro. Aparentemente, no Tinder, é mais difícil ser apanhado a cometer burla do que ser apanhado a cometer adultério.

Tenho dúvidas de que burla semelhante pudesse acontecer em Portugal. Em primeiro lugar, porque somos um país pobre, logo, desconfiado no que toca a emprestar dinheiro. “Ah, precisas de 10 000 euros para fugir aos teus inimigos? Olha, o máximo que posso fazer é emprestar-te o Lisboa Viva. Está carregado, é só andares de autocarro em autocarro, vais ver que despistas os gajos!” Em segundo lugar, porque somos um povo cauteloso nas aplicações de encontros. Cá, seria impensável que o burlão encontrasse alguém que aceitasse, como acontece no documentário, viajar com ele para a Bulgária com ele, o filho e a ex-mulher, depois de três ou quatro mensagens trocadas. Só se estivesse o próprio burlão a ser vítima de um embuste.

Por outro lado, Shimon Hayut recorria ao abuso emocional para burlar as vítimas com quem mantinha uma relação romântica. E, quanto a esse tema, os portugueses não são nem inocentes nem impermeáveis. Somos reservados, dizem-nos os estudos, nas dating apps, mas na televisão toleramos espectáculos degradantes de abuso no contexto de relação. Dito isto, o desígnio nacional dos próximos tempos tem de ser impedir Bruno de Carvalho de instalar Tinder. Se bem que, depois dos sportinguistas e dos telespectadores do Big Brother, é provável que já seja difícil que alguém caia no seu engate.