Os arautos do politicamente correto que proliferam nas redes sociais e que policiam a linguagem - e, por consequência, o pensamento - impuseram um novo critério para definir “fascista”. Se disser “o Chega é um perigo para a Democracia, MAS”, seja bem-vindo: é oficialmente fascista. Ora, esta é uma abordagem perigosa (dado que inviabiliza a reflexão) e errada, pois é no “MAS” que podemos encontrar as respostas para combater o Chega.

Este é um partido que discrimina as minorias, que promove a divisão da sociedade (o Presidente “dos portugueses de bem”), que tem um discurso com tendências autoritárias e punitivo (como assim cristão?)… “MAS” é apelativo a 12% dos eleitores. Chegados aqui, a pergunta será: Porquê?

À imagem do que aconteceu aquando do Brexit e da ascensão de Trump, por exemplo, a tendência inicial foi a de desconsiderar quem assim vota: “são fascistas, racistas, antiquados, machistas, homofóbicos”, enfim, um conjunto de rótulos pejorativos. Esta é uma abordagem que assenta na caricaturização do eleitor e na sua imoralidade. Certamente, haverá fascistas, racistas e xenófobos entre os apoiantes da direita radical e, sobre esses, nada a fazer, senão lamentar. Contudo, é razoável considerar que todos os eleitores que entregaram o voto a André Ventura o são? Creio que não. Basta pensar que algum eleitorado de Ventura provém de todas as franjas do espectro político tradicional para se perceber como essas categorizações não contam a história toda - não se tornaram racistas agora.

O facto de Portugal ter resistido tanto tempo à tentação populista, que tem atingindo outras Democracias, devia ajudar-nos a não cometer os mesmos erros de diagnóstico. David Cameron ter designado os típicos apoiantes do UKIP como “loonies and closet racists” ["loucos e racistas escondidos", numa tradução livre] não impediu o Brexit. A já famosa citação de Hillary Clinton apelidando os eleitores de Trump de “basket of deplorables” ["cesto de deploráveis", tradução livre] não impediu a vitória de Donald Trump em 2016. Cairemos nós também no mesmo erro?

Além do exposto, esta análise sofre ainda de dois pecados capitais:

1) Este é um discurso de divisão - do lado oposto, bem entendido, mas, de todo o modo, de divisão. Se refletirmos um pouco, esta ideia não difere muito do slogan estapafúrdio (“portugueses de bem”) de André Ventura. Nesta linha de pensamento, há os portugueses bons - que não votam no Chega - e os deploráveis e imorais - que votam em Ventura. É o mesmo raciocínio, ambos errados. Não creio que este deva ser o caminho.

2) A culpabilização de quem assim vota, o que não cumpre qualquer tipo de propósito. Vejamos, em termos pragmáticos e assumindo que o objetivo é derrotar as ideias da direita anti-sistema portuguesa, de que adiantará continuar a rotular estes eleitores de fascistas, racistas ou homofóbicos? Porventura acham que irão mudar de opinião por isso? É evidente que não. O que ocorrerá é a formação de uma “minoria silenciosa” que, no momento de votar, votará como bem entende. Se quisermos “resgatar estes eleitores”, este também não pode ser o caminho.

Tipicamente, o contra-argumento é: se assim votam, é porque se identificam, logo subscrevem todas as suas ideias. Este argumento é falacioso. Se assim votam, é evidente que se identificam com algo. Mas identificam-se com o quê concretamente? Com todo o discurso ou com parte dele? Essa deveria ser a questão essencial. Quanto melhor for o diagnóstico, melhor será também a nossa resposta. Como refere António Barreto, no espaço de opinião que tem no Público, o essencial é “Perceber”.

Reitero, não tenho um pingo de simpatia por Ventura, nem pelo seu discurso, e considero a sua ascensão perigosa para a nossa democracia, não só pela crispação política e social que origina, mas também pelo próprio condicionamento que provoca na agenda política. Contudo, a estratégia que tem sido seguida para o combater não tem sido a mais adequada. Dito isto, qual é, a meu ver, o caminho que devemos seguir?

1) Denunciar as ideias populistas e contrariá-las com factos. Ideias - por muito execráveis que sejam - não se derrotam, como propõe Ana Gomes, com o silenciamento. Ideias derrotam-se com ideias melhores. Mitos e falácias derrotam-se com factos e estatísticas - como fizeram, e bem, diga-se, alguns jornalistas a propósito do RSI [Rendimento Social de Inserção], durante a campanha presidencial.

2) Não sucumbir à sede de poder e formar um cordão sanitário, rejeitando veementemente qualquer tipo de acordos com este partido. Nenhum dos partidos tradicionais deve dialogar com um partido que está nos antípodas dos valores liberais e pluralistas que uma democracia robusta deve promover e que instiga o ódio pelas minorias e a divisão entre os portugueses. Todo o ser humano, independentemente do seu género, raça e orientação sexual, tem direito ao respeito e à dignidade, e isso é um valor de que nenhum democrata pode/deve prescindir.

3) Corrigir as falhas das nossas instituições. Na verdade, o discurso populista cavalga quer num discurso discriminatório quer num discurso anti-sistema. Se o primeiro é injusto, imoral e indefensável, sobre o segundo o mesmo não se pode dizer. Sim, os tais “MAS” de que não se pode falar.

Quando os casos de corrupção se alastram, quando até um programa de vacinação, num momento tão débil para todos, gera prevaricações de todo o tipo, fica bastante difícil negar o drama colossal que habita lado a lado com a nossa democracia, como é o da corrupção. Junte-se isto ao problema da desigualdade, da falta de emprego e ao “elevador social avariado”, e fica fácil perceber o que leva tanta gente a estar descontente com o estado atual das nossas instituições. Estes problemas são reais e vivenciados por uma grande parte dos portugueses.

André Ventura é a solução? É evidente que não. No seu projeto não há uma proposta coerente sobre economia, saúde, educação ou justiça, exceto umas frases soltas disparadas para alcançar as capas dos jornais e ser o assunto do dia. Dito isto, é essencial não só denunciar toda a retórica populista de Ventura, mas também, pela via democrática e pluralista, reformar as instituições e corrigir certos problemas que corroem e minam a confiança dos cidadãos nos partidos tradicionais.

Termino com as palavras de António Barreto, que tão bem observou este fenómeno: “Não são os democratas que fazem os fascistas, os comunistas, os terroristas, os arrogantes, os populistas… Mas são os seus erros, os seus defeitos e os seus vícios que inevitavelmente conduzem à destruição da democracia”.

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