Da África do Sul veio uma variante a que chamam Ómicron, da qual se sabe muito pouco. A comunidade científica está a repetir que não tem a certeza de que esta variante seja mais transmissível nem que escape ao efeito das vacinas. Mesmo assim a OMS alertou que o risco global desta nova variante é “muito alto” e pede que sejam extremadas precauções.
Está de volta uma nova vaga de restrições às viagens. Vários governos não quiseram esperar que os cientistas nos tragam conhecimento firme sobre esta variante e já estão a isolar os países onde supostamente já há casos da Ómicron.
Os media relatam em tempo real a escalada de restrições, é o ofício deles; as redes sociais amplificam, instalam dúvidas — é boa prática questionar se com conhecimento —, mas muitas vezes distorcem. Fica instalada uma atmosfera de desconfiança.
No ioiô do humor coletivo passamos do excesso de confiança, do tipo já nos livrámos da Covid, para o azedume contra tudo e todos, em modo “afinal não se pode confiar”.
Os políticos, em todos os países, anunciam medidas, em alguns casos até parece que apenas com a ideia de passar a noção de que estão à cabeceira da crise e assim a decidir qualquer coisa para aparentar que tomam conta do que é preciso.
As restrições às viagens estão no topo do catálogo das primeiras decisões. Será que nesta época em que tanta gente se move fora dos canais tradicionais tem alguma relevância impor este tipo de restrições? Admite-se que seja uma forma de ganhar tempo enquanto está no ar a incógnita sobre a perigosidade ou a resistência às vacinas desta nova variante. Mas talvez seja risco maior o de reinstalar incerteza – é o que a economia global, portanto as pessoas, mais dispensa.
Nestes últimos meses ganhámos uma certeza: as vacinas estão a proteger-nos. São a nossa melhor defesa. As vacinas não nos livram do contágio mas na avassaladora maioria dos casos permitem que a doença não assuma formas graves, letais.
É um facto que ainda não sabemos se as vacinas que temos também travam a Ómicron. Há boa dose de expectativa de que sim, que também protejam frente a esta nova variante.
Mas sabemos que só uma parte do mundo está com acesso às vacinas.
Em vários países africanos a percentagem de vacinados é ínfima. Dramático o caso da Nigéria, da República Democrática do Congo, da Tanzânia, do Burundi, do Chad ou de Madagascar onde a percentagem de vacinados não chega aos 3% da população.
Na África do Sul, que está a ser apontada como berço desta nova variante, 70% da população ainda não tomou qualquer dose de vacina.
Não podemos ainda saber se uma campanha eficaz de vacinação, neste caso na África Austral, poderia ter impedido o aparecimento desta variante Ómicron.
Mas já sabemos o suficiente para percebermos que enquanto a vacina e os reforços devidos não chegarem a todos em todo o mundo não nos livramos dos sucessivos sobressaltos por causa da Covid.
A igualdade global na distribuição e administração de vacinas é uma necessidade absoluta, incontornável.
Portugal, sexto país no mundo com maior percentagem de população vacinada (após Emirados Árabes, Brunei, Cuba, Chile e Singapura) tem dado bom exemplo ao mundo e contribui para que 55% da população de Cabo Verde já esteja vacinada, tal como 49% da de Timor-Leste. Mas em Moçambique como em Angola ainda não está 25% da população vacinada.
A China acaba de prometer mil milhões de vacinas para África. Neste caso Pequim merece grande aplauso.
Vários países europeus preferiram garantir reservas de sobra a partilhar as vacinas que tinham.
Há quem argumente o receio de que, ao avançar para a distribuição da vacina por países pobres sem estar garantida a complexa operação logística, instalava-se o risco de perda dessas vacinas.
Mas o que não é possível é continuarmos a deixar uma parte do mundo sem vacina.
Tal como é intolerável que alguém ponha em causa a confiança na vacina.
Passa por aí a proteção a cada um de nós.
Com o que agora sabemos faz sentido alertar para mais risco com a nova variante. Mas sem explorar o medo e o pânico.
Não será a barrar viajantes que nos safamos do vírus. Esta nova variante já está na Europa.
Obviamente é impensável que não haja quem tenha impedido aquele jogo de futebol no último sábado no Jamor. Obviamente precisamos da proteção através da máscara. Sobretudo, precisamos de estar vacinados e isso independentemente da incerteza sobre se a vacina também cobre esta nova variante.
E, vital, é preciso que a vacina chegue a todos em todo mundo.
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