Este texto faz parte da rubrica Regresso a um Mundo Novo, em parceria com a plataforma 100 Oportunidades, em que vários jovens nos ajudam a pensar o mundo pós-pandemia.


Vivem-se tempos únicos, inesperados. Tempos para os quais ninguém estava verdadeiramente preparado – nem os hospitais, os prestadores de cuidados de saúde, o Estado (muito menos o orçamento de Estado), nem cada um de nós, os nossos familiares, amigos ou empregadores. Repentinamente, fechámo-nos nas nossas casas e a sociedade parou. Os relatos que nos chegavam de países antes afetados pela pandemia eram assustadores e preocupantes. O Estado e os prestadores de cuidados de saúde apresentaram-se como guardiões da pátria, responsabilizando-se pela saúde física, psicológica e financeira dos cidadãos. O mundo mais global que alguma vez conhecemos ergueu fronteiras, fechou-se e focou-se nos seus. Um manto de protecionismo reacionário caiu sobre a sociedade sem que se saiba ao certo como levantá-lo.

E se por meses neste manto se carregou apenas pão sob um estado de emergência declarado e sentido, hoje procuramos, todos, transformar este pão em rosas em sede de milagre. Um milagre (talvez quase) tão inesperado quanto o que, reza a lenda, presenciaram Dom Dinis e Dona Isabel. O desafio com que o mundo hoje se depara é o de como pavimentar a rota do milagre da transformação deste pão em rosas.

Tendemos a olhar primeiramente para a proteção do Estado e das instituições para-soberanas e internacionais. Esperamos e exigimos que façam o seu trabalho, que sigam o interesse publico genuíno que lhes confere autoridade decisória e que não se deixem mover por interesses privados, políticos ou próprios. Que se pautem pela transparência. É hoje evidente que a presença dum Estado é fundamental e que o mercado não regula, por si, efeitos provenientes de pandemias ou outras calamidades. Mas um Estado que respeite os seus cidadãos acima de tudo. Que não se esconda ou se perca num jogo de xadrez do qual os cidadãos não fazem nem querem fazer parte.

Não tenho dúvida, porém, que o caminho para o milagre está fundamentalmente em cada um de nós. Como parte ativa, como cidadãos de um estado de direito democrático, temos, antes de mais, a responsabilidade de seguir as orientações das autoridades nacionais e internacionais de saúde. Só assim poderemos mudar o nosso mundo, salvar vidas e restaurar a confiança, permitindo a reabertura sustentada da economia.

Na obra de Antoine de Saint-Exupéry, o Principezinho constatou que foi o tempo que perdeu com a sua rosa que a fez tão importante. Assim, sermos ativos na comunidade e fazermos frente a necessidades locais de modo criativo, não esperando e meramente criticando o Estado pela sua inação, fará decerto a diferença para nós e para as gerações futuras que irão viver e vivenciar uma democracia representativa mais dinâmica, responsável e participativa.

Após todos termos vivido em estado de emergência, com privação total de direitos fundamentais básicos, temos o dever de abraçar a democracia e a liberdade. O Estado somos nós, a sociedade civil tem o poder em suas mãos. A revolução tecnológica a que assistimos demonstra-nos isso mesmo - ainda que apresente desafios complexos em redor do respeito pelos diretos fundamentais, incluindo o direito à privacidade. Encontramo-nos hoje em contacto direto constante, temos um potencial infinito de chegar aos outros e fazer a diferença. Temos o mundo aos nossos pés.

Tal qual o Principezinho, não nos deixemos desmotivar pelas adversidades que enfrentamos (ou que certamente iremos enfrentar) nem pelo medo que advém da imprevisibilidade. Não esperemos que o Estado seja nosso guardião incondicional em todos os momentos. Não deixemos que muros, o protecionismo e receio ou desdém pela diferença imperem. Plantemos nós o jardim da democracia, da igualdade, da liberdade, do espírito de comunidade e respeito pelo próximo. Assim, construiremos uma sociedade fértil, repleta de rosas coloridas de todos os feitios e formas, convivendo em harmonia.

‘Sou responsável pela minha rosa...’- repetiu o Principezinho, para nunca mais esquecer.

*Rita Sobral escreve segundo o novo acordo ortográfico

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