Para utilizadores do telefone fixo que ligam freneticamente para números de valor acrescentado na esperança de arrecadar 500 paus em cartão, a transferência mais surpreendente do defeso não foi a de Cristiano Ronaldo, nem a de Jorge Jesus. Foi a de Cristina Ferreira, a apresentadora (ou comunicadora, se quisermos utilizar uma palavra de aceção tão lata que nada significa) nascida na Malveira e que muito provavelmente não terá de voltar à feira (todavia conheça ainda o lugar onde se encontram as estacas). Cristiano, Jesus, Cristina: são as transferências do ano, todos ganham ordenados chorudos, todos têm nomes que referenciam o Senhor. E depois ainda dizem que Deus não existe. Mas avancemos.

A transferência apanhou de surpresa toda a gente, não se leram rumores no Twitter, nem foi avançada no Mais Transferências por Rui Pedro Brás. Mas se a mudança de estação causou incredulidade, os valores envolvidos levaram à indignação. Cristina irá auferir 80.000 euros por mês na SIC o que, e atenção que vem aí uma expressão clichê, “para a realidade portuguesa é muito dinheiro”. E é. Porém, a verdade é que ativos como Cristina são o abono de família da televisão convencional, que tem vindo a perder o público jovem para as plataformas de streaming. Cristina apela ao público que religiosamente ainda sintoniza canais generalistas e, por não existir figura que se lhe aproxime em termos de marca para esse target, parece-me absolutamente justificável que aufira um balúrdio.

Os salários em Portugal são embaraçosos no geral, mas não é por Cristina se valorizar menos que vamos chegar a uma sociedade mais justa. Há é pessoas que não veem televisão e que exigem que a televisão seja parcimoniosa a gastar o dinheiro em produtos que não consomem, mas que esbanje antes naquilo em que elas acham que deve esbanjar. Salários altos não devem ser, per se, problemáticos. Reparem que o Luisão ganha 250.000 euros por mês e duvido que garanta muitas audiências no daytime tv.

A imprensa surfou a onda da revolta com a opulência, sendo que o Dinheiro Vivo produziu até um artigo sobre que bens é que Cristina Ferreira poderia agora comprar, já que ganha um milhão de euros por ano. Sim, porque toda a gente sabe que quem assina um contrato com uma nova empresa, estoira de imediato um ano de salário numa prendinha para si. Óbvio.

Menos expectável do que a previsível celeuma com os honorários da malveirense, foi o surgimento de uma corrente de pessoas que assumem nunca ter ouvido falar de Cristina Ferreira. Tendo como porta-estandarte Pedro Marques Lopes, que o admitiu no Twitter, esta equipa, que habita em quartos de isolamento, longe da infecciosidade do entretenimento do povão, orgulha-se de ter sido premiada com o galardão “Cristina Ferreira? Nunca vi mais gorda!”.

Enfim, eu considero manifestamente improvável desconhecer Cristina Ferreira. Também não faço parte do target do seu trabalho, mas não saber quem é? Como assim? Não frequentam um centro de saúde desde 1997? Nunca conviveram com um exemplar de avó? A TDT não chega à vossa ermida de elite intelectual onde só entram livros, discos do Ípsilon e podcasts de true crime? Muito estranho.

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