Marcelo Rebelo de Sousa indigitou esta terça-feira António Costa como primeiro-ministro do XXII Governo Constitucional. Terça-feira, dois dias após as eleições legislativas e depois de ouvidos todos os partidos com assento parlamentar, mas antes de todos os votos estarem contados.
O facto de não se saber quem são os quatro deputados que falta eleger, dois pelo círculo Europa, outros dois pelos círculo Fora da Europa, não interessa nada. Temos, ao que parece, uma democracia assim-assim.
Tradicionalmente, é verdade, estes quatro deputados distribuem-se entre PS e PSD. Mas estas eleições, bem sabemos, têm algo de incomum - três novos partidos foram eleitos para a Assembleia da República: Chega, Iniciativa Liberal e Livre. Teria a sua graça, por isso, se os dois círculos cujos resultados estão por apurar elegessem um deputado fora do expectável.
No entanto, e ainda que tudo se mantenha como antes, pergunto-me como se sentirão os 1.465.950 eleitores emigrantes. É que além de continuarem a eleger apenas quatro deputados, apesar de entre 2015 e 2019 o número de eleitores registados ter aumentado de 78.253 para 895.515 na Europa e de 164. 273 para 570.435 no resto do mundo, o voto de cada uma destas quase 1,5 milhões de pessoas parece não interessar. É, pelo menos, este o sinal dado pela Presidência da República e por quem aprova estas leis.
A somar à aparente indiferença, muitas queixas de eleitores fora de Portugal impedidos de votar por não terem recebido nas suas moradas os boletins de voto - ou por terem de conduzir horas intermináveis para se deslocarem a um consulado. As histórias multiplicaram-se e podem ser lidas em quase todos os jornais e redes sociais.
A Comissão Nacional de Eleições declinou responsabilidades, alegando que, de acordo com a lei, "a logística e as finanças eleitorais são da responsabilidade da Administração Eleitoral da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, que procede, designadamente, à produção e envio dos boletins de voto aos cidadãos recenseados no estrangeiro que optaram por votar por via postal". Mas confirma: até 9 de Outubro, 131.967 portugueses não tinham recebido os envelopes com os boletins de voto. Repito o número: 131.967 eleitores. Uma democracia a sério não pode ter destas fragilidades.
Não será de estranhar, por isso, que, também tradicionalmente, estes dois círculos eleitorais registem uma taxa de abstenção muito mais elevada do que a dos círculos no território nacional - em 2015 votaram 17,4% dos recenseados na Europa e 8,9% Fora da Europa.
De acordo com a Lei Eleitoral para a Assembleia da República (artigo 111.º-A), o apuramento geral dos resultados da eleição em cada círculo eleitoral terá de estar concluído "até ao 10.º dia posterior à eleição", ou seja, até dia 17 de Outubro. No entanto, esta parece ser, para uma boa fatia de nacionais, uma questão de somenos importância. Seguramente menos importante do que ter um "fascista" no Parlamento, ainda que se trate de um deputado democraticamente eleito. Igualmente menos importante do que uma negra gaga, que tem o "desplante" de celebrar a eleição com a bandeira da Guiné-Bissau e da União Europeia, o que até mereceu uma petição já assinada por 18.853 pessoas (a última vez que espreitei). Coincidência, a 17 de Outubro celebra-se o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. E que tal erradicar a pobreza de espírito também?
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