Mesmo os liberais, os democratas e todos os perigosos esquerdistas que polulam nos Estados Unidos – segundo a opinião de Trump e os noticiários da Fox – respeitam os homens e mulheres das Forças Armadas que combateram nas guerras ou nos conflitos armados em que o país tem estado continuamente envolvido. Até os pacifistas, que acham a opção pela carreira militar uma péssima ideia, consideram que os militares que deram o corpo às balas transformaram a má escolha num acto que merece respeito. Quanto aos que morreram em combate, esses são os heróis, e as suas famílias recebem uma deferência muito especial. Nunca está em discussão a justeza ou justificativa dos conflitos; quem combate faz parte dos "nossos rapazes", daqueles que se voluntariaram para o "último dos sacrifícios".

Se é assim para os liberais, imagina-se como será para os conservadores, fundamentalistas, militaristas e de direita; os militares são a nata, a glória, os melhores dos melhores.

Tudo isto para mostrar a extensão da calamidade que foi a atitude de Trump, num país que possui uma enorme e poderosa máquina militar, com mais de um milhão e meio de voluntários (não há serviço militar obrigatório).

Tudo começou quando, no palco da Convenção do Partido Democrata, se apresentou um casal, Khizr e Ghazala Khan, cujo filho, o Capitão Humayun Khan, morreu em combate no Afeganistão em 2004 e recebeu o "Purple Heart" e a "Bronze Star". Os Khan vieram dar testemunho de que se pode ser muçulmano e patriota, uma tese defendida pelo Partido Democrata, em oposição à tese trumpista/republicana de que todos os muçulmanos são terroristas ou, pelo menos, suspeitos.

Humanayun veio dos Emirados Árabes com os pais quando tinha dois anos e é o mais graduado dos 14 militares muçulmanos mortos em combate na década seguinte ao ataque às torres gémeas. O pai, Khizr, falou do orgulho que a família sente pelo filho e terminou com a afirmação que o tinha levado ali: "Se fosse pelo Sr. Trump, o meu filho nunca teria vindo para América."

A resposta de Trump não se fez esperar; numa entrevista radiofónica insinuou que a esposa, Ghazala, tinha ficado calada durante o discurso do marido "porque se calhar não tinha licença para falar". No dia seguinte, uma carta assinada pelas famílias de onze mortos em combate considerou as considerações de Trump "repugnantes" e "moralmente ofensivas". Ghazala Khan disse à ABC News que estava angustiada de mais para dizer alguma coisa: "(Perder um filho) é o maior sacrifício que se pode fazer por um país; Trump não sabe o que é um sacrifício desses".

Donald, que tem por hábito ter sempre a última palavra, não desarmou: "Acho o Capitão Khan um herói, mas fui atacado com malícia, e nunca deixo de responder. E tenho feito muitos sacrifícios por este país". Quais, perguntou o entrevistador. "Sempre trabalhei muito, criei dezenas de milhares de empregos, construí grandes estruturas".

Hillary Clinton não podia perder esta deixa e não perdeu: "Donald Trump não é um candidato normal. Não está emocionalmente preparado".

Que os democratas aproveitem a crise provocada pela reacção de Trump, não surpreende. Mas as redes sociais começaram a fazer troça e, num outro sinal de debilidade, John McCain, ele próprio um veterano, Paul Ryan e outras eminências do partido criticaram a falta de sensibilidade do candidato.

Simultaneamente, Trump disse que não apoiaria Ryan para continuar a representar a maioria (republicana) do Senado, ao mesmo tempo que o seu vice-Presidente, Mike Pence, dizia precisamente o contrário.

Ainda não satisfeito, Trump veio dizer, na última entrevista até à data, que a acusação de falta de respeito por um soldado americano abatido era apenas um truque dos democratas para distrair de temas mais pertinentes para a campanha presidencial. E reforçou pelo Twitter: "Esta história não é sobre o Sr. Kahn, que anda a dar entrevistas em toda a parte, mas sim sobre o TERRORISMO ISLÂMICO RADICAL e os Estados Unidos estarem alerta!".

Parece impossível a quem observa esta nova polémica que ninguém na campanha de Trump lhe tenha dito que quanto mais falar no assunto, pior. Aliás, nem era preciso dizer-lhe: nas sondagens de sexta feira estava dez pontos percentuais atrás de Hillary.