Fixemos estes dias porque eles são reveladores.
Estes são os dias em que ficamos a saber que muitos deputados consideram desnecessário e uma perda de tempo perceber o que se passou na Caixa Geral de Depósitos para que volte a ser necessária nova injecção de capital no banco.
É impressionante a naturalidade com que se está mais uma vez a ir ao bolso do contribuinte para sanear a banca. Desta vez nem sequer há discussão, apuramento de responsabilidades, avaliação do papel dos supervisores, inquérito a eventual tráfico de influências no passado. Nada.
O banco é público. O banco é do Estado. O banco é dos contribuintes. Logo, nesta lógica da batata, nada há a discutir, a apurar, a investigar. É o que sugerem de forma explícita pelo menos os deputados do Bloco de Esquerda e do PCP.
Façamos contas. Na última década, o Estado injectou na Caixa 2.950 milhões euros de capital social em várias operações e agora prepara-se para lá colocar mais 4.000 milhões de euros. Só em capital temos, portanto, 6.950 euros. Este é dinheiro seu, caro contribuinte. Dinheiro igualzinho ao que está a ser posto no BPN, no BES ou no Banif. Acredite que as notas de euro que vão para uns são iguais às que vão para outros. E tanto lhe custaram a ganhar umas como outras para depois as entregar ao Estado que, por sua vez, as utiliza em socorro dos bancos.
A Caixa recebeu também 900 milhões de euros de ajuda pública igual à que foi feita ao BCP ou ao BPI e que está a ser devolvida, com juros elevados, ao Estado. Não me parece que bem feitas as contas os contribuintes saiam lesados com esta operação. O Estado paga juros à troika pela utilização desta linha - fazia parte dos 12 mil milhões previstos para a banca no programa de resgate - mas cobra juros muito mais elevados aos bancos. Tiremos, por isso, este montante da equação.
São, ainda assim, quase 7.000 milhões de euros colocados no banco do Estado em 10 anos. Porquê? O que provocou tamanhas perdas na Caixa? Onde acaba o efeito da crise económica, da má gestão do risco de crédito, do impacto de acontecimentos imprevistos como a crise financeira de 2008 e depois a crise das dívidas europeias desta década? E onde começa o caso político? Que operações de crédito foram feitas por pressão dos governos para ajudar grupos amigos ou que ajudam o partido? Quanto crédito foi concedido sem uma avaliação e aprovação regular do risco? Como se comportou o regulador para com a Caixa ao longo dos últimos anos? Quanto dinheiro foi emprestado aos Berardos desta vida para tomarem de "assalto" o poder de bancos privados? Qual foi o comportamento da Caixa, ao longo de anos, ao lado do BES de Ricardo Salgado, da Ongoing de Nuno Vasconcelos, no chamado "núcleo duro" da Portugal Telecom de Zeinal Bava? Que marca deixou Armando Vara na sua passagem pelo banco? E como se processou a sua transição ao lado de Santos Ferreira para o concorrente privado BCP? Em suma: quanto, desta factura, se deve a pornografia política e partidária?
A tudo isto, respondem Bloco de Esquerda e PCP: não há nada a saber. Há que passar o cheque dos contribuintes sem fazer perguntas. Até Mariana Mortágua - por quem, como contribuinte e cidadão, me senti representado na Comissão de Inquérito ao BES, tal foi a sua preparação e pertinência das questões que colocava - desta vez não tem curiosidade sobre o assunto. Ninguém quer saber se Carlos Costa fez todas as perguntas no momento certo às administrações da Caixa? E se Constâncio vigiou como devia ser?
É precisamente pelo facto do banco ser público, com administrações nomeadas pelos governos, com tutela política directa, com uma alegada missão de apoio à economia, com assembleias gerais onde não há accionistas que possam questionar a gestão, que o dever de fiscalização dos deputados devia ser maior, mais efectivo e regular. Perante a Caixa os deputados podem e devem ser uma espécie de "representantes dos accionistas", que são todos os contribuintes. É que estes accionistas estão numa posição de especial vulnerabilidade: nunca têm o poder de decidir o que fazem com o seu próprio dinheiro. Se compram mais acções da Caixa ou não. Alguém, num gabinete ministerial, toma a decisão por eles e assina um decreto. Assim, sem discussão. E está feito. Foi assim que aconteceu com 6.950 milhões de euros em dez anos. Discretamente.
O que o BE e o PCP nos estão a dizer é que o "assalto" aos bancos é legítimo desde que esse banco seja público. Que todos os compadrios políticos são aceitáveis desde que sejam combinados em gabinetes ministeriais. Que a "economia de casino" através de um banco privado é do pior que as sociedades têm nos dias que correm mas quando é feita através da Caixa é uma coisa boa. Atenção "jogadores", perceberam a mensagem?
Pois eu não encontro diferenças entre umas e outras. Custam-me tanto os milhões para os privados como para a Caixa porque, provavelmente, muitos destes milhões foram parar aos mesmos bolsos ou a bolsos muito semelhantes. A grande diferença, para já, é que a justiça - lenta e pesada, como sabemos - já está no encalço de alguns dos privados mas duvido que isso venha a acontecer em relação à Caixa. Com a ajuda dos amigos da esquerda, claro. Porque o banco é público, obviamente, e a doutrina diz que tudo o que é público é bom. Ainda que seja igual ao privado.
Outras leituras
- António Costa garante que o regresso às 35 horas será feito sem custos. Sugiro uma formulação mais correcta: António Costa garante que nunca será possível apurar quanto custa o regresso às 35 horas e, por isso, pode prometer o que quiser.
- Paulo Portas vai para a Mota-Engil. Claro que todos os ex-governantes precisam de ganhar a vida. Estranho é que passem a ganhá-la depois da passagem pelo governo em sectores de actividade pelo qual nunca se interessaram na vida profissional anterior. Se Portas fundasse agora um jornal ou um gabinete de sondagens estaria a retomar a sua carreira. Mas construção civil? A Mota-Engil só está a contratar a sua agenda de contactos…
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