Imaginem que amanhã acordavam e... nada. No telefone, aquela estranha mensagem, como quando estamos fora do país, sem roaming de dados, que nos diz para ligar os dados. Só que não há dados, porque o que não há rede. Internet. Despertador e lembretes funcionam, num aparelho que faz chamadas e envia mensagens. Apenas isso. Saindo para a rua, no carro, o caminho indicado no Google Maps sem actualização do estado do trânsito. Nos transportes, apenas os pensamentos por companhia ou a rádio, para quem ainda tem telefones que sintonizam a rádio em FM ou seja, quase ninguém. Zero notificações ou vibrações. Sem a agenda no Google sincronizada com o e-mail a debitar compromissos. No trabalho, as mensagens recebidas são as do correio interno. Na escola, trocam-se papeis dobrados com pequenas frases. Ao almoço, nada para fazer, a não ser olhar os outros à nossa volta e o prato de comida que não é fotografado para publicar e mostrar ao mundo o que estamos a comer. Sem mensagens dos grupos no Whatsapp, sem pop ups na web. Sem nada para além da vida real mas, também, sem acesso a serviços fundamentais que, nos últimos anos, se virtualizaram. Conseguem imaginar?

Eu consigo, não porque odeie a Internet mas porque aprendi que é importante saber usar a Internet sem deixar que esta nos use a nós. Sem a Internet não podemos usar a web e os seus serviços, ou as aplicações móveis que dependem de IP (Internet Protocol) para funcionar. Diferenças? A Internet é a arquitetura da comunicação contemporânea, a web é a estrutura que dá rosto às diferentes formas de comunicação e ferramentas que usamos diariamente. É mais complexo do que parece e é, sobretudo, uma estrutura arquitetada para nos tornar dependentes porque, efetivamente, sem acesso a esta plataforma, ficamos cegos, surdos e mudos.

O que fazer? Nada. Não adianta resistir, sob pena de ficarmos excluídos da sociedade e dos fenómenos de comunicação modernos. Mas importa termos noção dos limites que podemos estabelecer para uma relação saudável com o digital. Em França a interdição de telemóveis nas escolas públicas do ensino básico e secundário é oficial e um sinal de reconhecimento do impacto negativo destes aparelhos e, principalmente, do que estes permitem fazer e a dependência que também provocam. 

Um estudo recente revela que há um fenómeno chamado technoference, que descreve a interferência da tecnologia e dispositivos tecnológicos nas relações interpessoais, interrompendo-as no dia-a-dia. É alguém que não ignora o telefone durante o jantar, o estudante que navega aleatoriamente durante uma aula ou a aquele que joga enquanto o outro tenta manter uma conversa. Entre as aplicações que mais competem pela nossa atenção, sugando o nosso tempo, estão as redes sociais e os jogos. Há vários casos de dependência mas há, também, exemplos de quem optou por abandonar as redes sociais sem qualquer arrependimento. Exceção feita a quem os usa como ferramenta de trabalho, há todo um lado narcísico na forma como as usamos que, por sua vez, criou uma cultura de exposição e atenção que valida os indivíduos pelos likes e seguidores que têm. Quem não tem não vai a jogo ou, como li há tempos, é o miúdo que fica sempre para o fim e que ninguém quer ter na sua equipa.

Perante o movimento absorvente que nos ocupa horas a atualizar as redes sociais, emerge outro, de abandono e regresso ao lado mais real da vida, com vantagens óbvias: mais tempo livre e, sobretudo, maior liberdade em relação ao que os outros pensam porque nos livramos do seu escrutínio. É essa mesma liberdade que nos devolve o tempo que não tínhamos para nos dedicarmos ao que verdadeiramente importa, seja o trabalho, a leitura nos tempos livres ou o ginásio, aumentando, significativamente os nossos níveis de bem-estar porque, inconscientemente, deixamos de nos comparar com os outros que deixam, também, de interferir ou achar que sabem alguma coisa da nossa vida.

A proposta de hoje é simples: em vez de desligar a Internet podemos tentar aprender a utilizar as suas aplicações e ferramentas para vivermos melhor, beneficiando das suas vantagens sem ficarmos reféns do que nos proporcionam, especialmente ao nível da nossa auto-estima.

Um detox digital temporário pode ser uma primeira solução para uma vida assoberbada de ecrãs e notificações, contrariando a nomofobia (o medo de estar incomunicável) e o que McLuhan dizia, provando que sabemos viver sem estes apêndices electrónicos e que o FOMO (fear of missing out) passa a ser um NOMO (need of missing out), reconhecendo a necessidade de estarmos desligados do contexto social digital.

Esta não é a primeira vez que abordo o tema porque, efetivamente, da mesma forma que é importante trazermos de regresso o silêncio à nossa vida, também podemos implementar digital free zones (em casa, por exemplo, deixando o smartphone fora do quarto ou desligando notificações e dados à chegada a casa) e offline days na nossa vida, para uma vida mais presente, que aprende a (re) apreciar os pormenores que ainda não foram digitalizados.

Podemos começar ao fim de semana, dedicando uma tarde, noite ou, mesmo, um dia a este detox para, depois, ir alargando a desconexão para se tornar um hábito integrado nas atividades de cada um de nós, de acordo com as nossas necessidades e motivações. No entretanto, é preciso (re)encontrar as actividades alternativas. Ainda se lembram do que gostavam de fazer quando não existia Internet, principalmente antes do boom das redes sociais? Pois façam.

Previsão?
Maior bem estar e tranquilidade
Menor ansiedade
Maior produtividade
Menor pressão (social, profissional...)
Maior capacidade de concentração e produtividade
Menor cansaço intelectual e dores de cabeça
Maior sonolência e noites bem dormidas
Menos FOMO porque não fazemos ideia do que estamos a "perder"
Maior noção do momento presente

Experimentem. Mas voltem para ler o urbanista no SAPO24.