Estão em causa os 435 lugares na Câmara dos Representantes e 35 dos 100 lugares no Senado.  Há ainda eleições municipais em cinco cidades importantes. São portanto competições ao nível estadual, mas cujo resultado tem uma influência nacional decisiva. Se os republicanos perderem a maioria no Senado (que é apenas de dois lugares) e na câmara baixa (onde dominam com 235 contra 193 democratas, havendo sete lugares vazios decorrentes de morte, demissão ou recusa do cargo), muita coisa pode acontecer, nomeadamente um travão às políticas conservadoras do Executivo (em áreas tão diversas como fiscalidade, ambiente, educação e emigração) e fica garantida a investigação do Procurador Especial Muller ao possível conluio entre a Comissão Eleitoral Republicana e os russos. Poderá mesmo chegar-se a um processo de impeachment de Donald Trump.

Sem a maioria no Congresso, o Presidente ficará incapacitado de agir, à semelhança do que aconteceu com Barack Obama, constantemente travado pelo órgão legislativo, obrigado a governar com o recurso limitado a decisões executivas (decretos-lei, no nosso sistema). Além disso, o Partido Republicano não poderá continuar a sua agenda legislativa pró-empresarial e anti-ambiental.

Assim, está muita coisa em jogo. O Partido Democrata não tem conseguido uma acção coordenada global contra os republicanos, em parte porque não tem um líder nacional popular – Bernie Sanders está demasiado à esquerda para muitos democratas e Hilary Clinton não tem futuro político –, e em parte porque não consegue decidir quais as políticas que podem convencer o eleitorado.

Os eleitores registados para votar estão mais ou menos divididos ao meio, e uma das lutas dos democratas tem sido para registar novos eleitores, partindo das estatísticas que mostram que os não registados são sobretudo jovens, negros e minorias, que votariam potencialmente pelo partido. Seguindo a mesma lógica, os republicanos têm usado a maioria no Congresso e os seus 33 governadores para coagir e restringir os eleitores negros e latinos, dificultando o registo eleitoral e dividindo os círculos distritais da maneira que lhes é mais favorável (“gerrymandering”).

Nestas eleições, há 44 congressistas republicanos que decidiram não se recandidatar, o que torna a situação do partido ainda mais complicada. Os democratas só precisam de 24 destas 44 vagas para voltar à maioria na Câmara dos Representantes que perderam em 2011.

A crispação maniqueísta da era Trump levou a que o partido democrata se radicalizasse mais, com um número inédito de candidatos negros e mulheres. Se essa tendência, resultado mais da espontaneidade dos militantes do que de um plano concertado, dará resultados, é motivo de grande debate. Todavia, nem todas as candidaturas locais têm o mesmo valor psicológico na disputa nacional. Alguns confrontos são vistos como particularmente significativos, pois um resultado favorável aos democratas poderia significar que há realmente uma “onda” contrária ao extremismo nacionalista, racista, sexista e ambiental do Presidente, apoiado pacatamente pelo partido republicano. É o caso de Alexandria Ocasio-Cortez, uma latina socialista que concorre às distritais em Nova Iorque; e de Andrew Gillum, que concorre a Governador da Florida, Stacey Abrams na Georgia e Ben Jealous em Maryland, os três negros. Stacey Abrams seria a primeira mulher negra a governar um Estado. Todos pertencem à ala socialista do Partido Democrata, conotada com Bernie Sanders.

Mas a disputa que está a despertar mais curiosidade, por ser considerada particularmente significativa, é entre o democrata Beto O’Rourke e o republicano Ted Cruz para representar o Texas no Senado.

Texas, republicano desde os anos 60

O Texas é republicano desde a década de 1960. Um em cada três texanos pertence a uma igreja evangélica e 85% dos evangélicos brancos votaram por Trump em 2016, a maior percentagem nacional. Ted Cruz, que foi candidato a Presidente nessa eleição, tornou-se depois um apoiante particularmente dedicado a Trump. A sua postura está em sintonia com o eleitorado texano: religioso, conservador e anti-imigração. A sua reeleição parecia ser favas contadas, até surgir Beto, com uma plataforma exactamente contrária.

Primeiro, os evangélicos estão um pouco desiludidos com Trump, pois acham que a sua atitude em relação às mulheres não tem nada de cristão e que o Governo ataca os imigrantes de forma desumana. Ao alinhar com o Presidente, Ted Cruz enfrenta a mesma divisão que os outros candidatos republicanos têm de considerar: vale mais estar com Trump, ou vale mais distanciar-se dele?

Em segundo lugar há evangélicos, sobretudo mulheres, que vêem em Beto um homem a favor das pessoas desfavorecidas que estão a precisar de apoio, uma postura cristã.

A estratégia democrata consiste em concentrar a propaganda nas cidades, com uma grande população hispana, e moderar o discurso para mostrar como Ted Cruz se tornou um extremista, e assim conquistar os moderados.

Beto O’Rourke tem percorrido incessantemente o Estado, apelando para aqueles que não votaram nas últimas eleições, especialmente os mais novos, com uma postura muito sedutora e um discurso mais liberal. (Nos EUA, o liberalismo fica à esquerda do conservadorismo). Em vez de procurar donativos dos grandes patrocinadores, como é habitual, financia a sua campanha com pequenas contribuições, mediante contacto pessoal com as comunidades, o que lhe dá mais independência. E usa as redes sociais, o que sai mais barato do que cartazes e anúncios na televisão. Os eleitores estão a vê-lo constantemente; já apareceu no Facebook em “live stream” (vídeo em tempo real) a cortar a cabelo, a meter gasolina no carro, a comprar donuts e até a fazer jogging, enquanto atravessa o Estado duma ponta à outra, indo a comunidades que nunca tinham visto um candidato a senador pessoalmente. Há duas semanas já tinha recebido uns impressionantes 6,7 milhões de dólares de 141 mil apoiantes, muito mais do que Cruz.

Esta metodologia não é de todo original, já foi tentada por outros candidatos noutros estados, mas Beto contratou duas empresas particularmente bem-sucedidas nas campanhas de Barack Obama e que entretanto afinaram um processo chamado “escalada de participação”: quando uma pessoa faz like num post, é contactada a seguir para que ajude a convencer novos adeptos. Isto faz com que os eleitores se sintam tratados de uma maneira personalizada, em vez de se verem como alvos de propaganda. Por exemplo, a campanha publicou um email enviado por um cidadão da pequena cidade de Archer City a dizer que o último candidato a senador que tinha visitado a cidade tinha sido Lyndon Johnson, em 1948. A personalidade cativante de Beto já lhe valeu longos perfis no “Washington Post”, no “Politico”, “Rolling Stone” e Vanity Fair”, que lhe deram o mais positivo adjectivo liberal: “kennediano”.

Outra vantagem de Beto é a péssima imagem de Ted Cruz, mesmo entre os seus pares republicanos no Congresso – o que não tem qualquer influência nos eleitores, mas dá uma ideia de como é visto com desagrado. Consideram-no oportunista, sempre do lado mais conveniente. Mas seria injusto dizer que ele não tem princípios – é muito conservador, pró-familia tradicional e a favor dos chamados “valores cristãos”. Mas o eleitorado acho-o oportunista e não tem conseguido apagar essa impressão nos debates com O’Rourke, um homem que diz que não faz concessões e que, de facto, tem defendido os imigrantes, a segurança social universal e outras causas pouco populares num estado republicano. O facto de, mesmo assim, estar ligeiramente à frente de Cruz nas sondagens, leva a crer que será possível vencer.

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