A diplomacia está a valer pouco no Sudão. Já foram negociadas cinco tréguas, mas todas violadas. E cresce o risco de alastramento do conflito que explora o terror, num território vastíssimo, com milhões de pessoas, em terras sem lei, onde a fome e a sede também são de morte.

O Sudão está no Corno de África, tal como a Etiópia e a Somália. É a terra de uns 140 milhões de pessoas atormentadas pela acumulação de males, sejam as desgraças causadas pelo clima (cinco anos consecutivos de seca em canícula) sejam os terrorismos dos al Shabab que agregam restos da al Qaeda com bandos vários que se dedicam a violações e pilhagens de todo o tipo.

A história das últimas três décadas no Sudão é quase sempre a de um inferno. Houve uma tentativa de aproximação à democracia entre 1986 e 1989, com um governo de coligação entre diferentes fações, liderado por um civil moderado, Shadiq al Mahdi. Depois, tudo correu mal.

Em junho de 89, um então brigadeiro, Omar al-Bashir comandou um golpe militar e pôs-se por 30 anos à cabeça do regime de ditadura militar em estado de guerra civil permanente. Primeiro, foi o confronto entre o norte do país, de ampla maioria muçulmana, e o sul, cristão. O conflito levou à divisão do país que era o maior de África, com quase 2.000.000 km2, e o nascimento, em 2011, da República do Sudão do Sul (cerca de 645 mil km2). Ao mesmo tempo, o regime de al-Bashir atacava populações que não controlava no leste do país, no Darfur, em violência contínua que levou a mais de 300 mil mortes e milhões de refugiados.

Apesar da ferocidade do regime, movimentos populares pró-democracia organizaram-se e, após cinco dias de manifestação contínua na capital, Cartum, o poder de Omar al-Bashir chegou ao fim, ao perder o apoio do próprio exército, que se solidarizou com a rebelião civil.

O presidente deposto tinha sido o primeiro chefe de Estado acusado (em 2009) no Tribunal Penal Internacional de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, mas escapou e continuou no poder até 2019.

Com a queda de Omar al-Bashir deveria ter principiado a transição democrática no Sudão. A mudança envolveu muitas tensões, foi lenta e abortada em 2019 por novo golpe militar, embora com promessa democrática: dois generais chegaram-se à frente e anunciaram que iriam conduzir o que chamaram de processo de democratização do país.

Um desses generais é Abdel Fattah al Buhran, o comandante das forças armadas do Sudão. O outro é Mohammed Dagalo, conhecido como “Hemeti”, comandante de uma milícia designada Força de Intervenção rápida (Rapid Support Forces, RSF, na sigla em inglês). Em pacto de conveniência, al Burhan e Dagalo puseram-se na presidência doi país, como nº1 e nº2, respetivamente.

Os dois chefes, presidente e vice, aparentaram conviver em aliança, mas as tropas do exército regular e as milícias RSF multiplicaram confrontos armados. Cada um deles, com apoios estrangeiros, designadamente do Egito, Arábia Saudita, China e Rússia (através do grupo Wagner). Estão em causa os minérios do rico subsolo sudanês, o controlo das águas do rio Nilo com uma colossal barragem, e o estratégico Mar Vermelho – muito pretendido pelos russos, que pretendem tomar conta das instalações portuárias em Port Sudan e passar a ter ligação naval direta entre o Mediterrâneo e o Índico. Também o domínio sobre a Líbia que continua país sem Estado.

Estava prevista para final de abril a assinatura do grande Pacto para a Transição Democrática no Sudão. Envolve 42 partes interessadas, tanto partidos como outros grupos da sociedade civil – era o passo decisivo para a formação em Cartum de um governo civil que tentasse estabilizar o país e conseguir ajudas internacionais de emergência para superar a fome e a seca.

Mas, dias antes, em 15 de abril, os militares voltaram a antecipar-se. Explodiram confrontos armados entre as tropas dos dois generais que passaram a assumir-se como inimigos. 

O Sudão entrou em estado de emergência com o retorno da guerra. Na capital, Cartum, as pessoas que permanecem estão privados de acesso a bens essenciais. Não há água e a eletricidade, mesmo intermitente, é rara. Há êxodo de populações civis.

Cada um dos generais em confronto alinha-se com as potências estrangeiras que os apoiam.

O general Abdel Fattah al Buhran, no comando do exército regular, conta com o apoio do Egito, que tem no Sudão um contingente militar e aviões.

O rival, Mohammed Dagalo, que se supõe ter o apoio dos russos Wagner,  quando há 10 dias ocupou o aeroporto militar de Merowe, no norte do Sudão, próximo do Egito, deu com três Mig-29 Fulcrum egípcios estacionados na placa e mais dois num dos hangares.

Os analistas da realidade regional garantem que o presidente egípcio, general Al Sisi, deseja que fique instalado no Sudão um regime semelhante ao da Cairo e conta com Al Burhan como aliado do Egito na oposição à intenção da Etiópia de construir a colossal barragem no Nilo, que poderia reduzir o caudal do rio cujas águas são essenciais para o Egito.

O general Dagalo, ao comando das milícias RSF, já nem esconde a proximidade com os Wagner a intrometer-se nas crises da África Central e do Iémene. 

Por agora, os aliados externos dos dois generais rivais permanecem discretos. Nenhum deles parece desejar a escalada armada. Mas os guerreiros de Al Burhan e de Dagalo mostram-se impiedosos, com fome de guerra. É alto o risco de alastramento ao Sahel, a maior área de conflito no mundo atual.