Jair Bolsonaro não lê o Libération, caso contrário veria como em França se despedem do grande génio da música com honras de primeira página e juntando homenagens de artistas vários, como Gilberto Gil, que afirmou: "a cada cem anos surge um génio da canção e esse génio era João".

Caetano Veloso (igualmente conhecido, mas decerto não uma das pessoas preferidas do presidente Bolsonaro), sobre o pai da Bossa Nova, escreveu nas redes sociais: "Aos 88 anos, com aspecto de quem não viveria mais muito tempo, João morrer é acontecimento assustador. Orlando Silva, Ciro Monteiro, Jackson do Pandeiro, Ary, Caymmi, Wilson Batista e Geraldo Pereira não teriam sido o que são não fosse por João Gilberto. Tampouco Lyra, Menescal e Tom Jobim. Ou os que vieram depois. E os que virão. O Hino Nacional não seria o mesmo. O mundo não existiria. Sobretudo não existiria para o Brasil. Que era uma região ensimesmada e descrente da vida real fora de suas fronteiras. João furou a casca. O samba não seria samba sem Beth Carvalho cantando "Chega de Saudade". A música não seria música sem a teimosia de João. Ele foi uma iluminação mística. Nenhum aspecto do mundo que ele sempre tocou tão rente pode ameaçar a grandeza da verdade de sua arte. E isso era sua pessoa. É sua pessoa, em todos os sons gravados em matéria ou na minha memória”.

Nem os jornais portugueses que lhe deram o destaque do jornal francês, mas isso agora pouco importa, não é? O tema de discussão em Portugal é ainda, e bem, a discriminação e racismo de uma cronista de um jornal diário. Sobre isso, Jair Bolsonaro também teria alguma coisa a dizer, alguma coisa que não nos iria surpreender, tipo: “Ah, a senhora tem razão”. Ou talvez não, considerando que se trata de uma cronista mulher, talvez tivesse mais disparates a acrescentar.

João Gilberto tinha 88 anos, era a hora dele, pois então. Era uma pessoa conhecida, nisso estamos de acordo. A ligeireza com que o presidente brasileiro lida com todas as questões, das de mero bom tom e educação às da justiça é impressionante, triste e negativa para o Brasil.

A morte de João Gilberto, ele que era em si um património da humanidade, o homem que nos deu tanto, que nos deu uma banda sonora de vida, não comove este tipo de poder. Até nisso, falha.

Perante João Gilberto o mundo é aprendiz. Perante Bolsonaro o mundo cala-se de vergonha enquanto ele continua a governar um país continental que merecia melhor.