Estão cá. De máscara, mas sem vergonha na cara. Acabou o pretenso excecionalismo português, a extrema-direita está activa, presente e com tochas na mão no nosso país. Já não é só um nicho de fóruns obscuros da internet, a extrema-direita já ganhou lugar marcado no carrossel mediático e terá de ser combatida em várias frentes, uma delas a da informação. Pelo menos da minha parte, que não sei andar à porrada.

A informação agride a extrema-direita com bofetadas. A base ideológica dos seus partidários é fundada em flagrantes mentiras, argumentos bolorentos há muito desmontados e fora do prazo, uma mundividência desfasada da realidade, acrítica, alimentada em fóruns, canais de YouTube, bolhas de Twitter e memes feitos por gente que mal domina o Paint na ótica do utilizador. A imprensa livre tem de reportar essas mentiras, identificá-las, desmontá-las, impedindo que não haja contraditório àquilo que o teu tio do Chega envia para o Whatsapp de família.

Li, no Twitter, algumas críticas ao “Público” motivadas pelo facto do artigo sobre a demonstração de “nacionalistas” à frente da sede do SOS Racismo estar trancado por uma paywall. O argumento era o de que, num assunto de evidente interesse público, tentar “lucrar” com a situação era imoral. Ora, a situação do financiamento dos jornais é muito complexa, mas não me parece que haja muitos jornais que deem lucro. O Público é detido pela Sonae, que dificilmente lucra mais com as crónicas do Francisco Assis do que com as ervilhas congeladas do Continente Bom Dia. Eu não sou contabilista da Sonae, mas, dentro de empresas do mesmo grupo, o Público deve ter receitas diárias inferiores ao piso -2 do parque de estacionamento do Colombo.

A sustentabilidade financeira e a importância dos jornais para a democracia são inversamente proporcionais. As assinaturas, que derrubam as irritantes paywalls, não são, em grande parte dos casos, fontes de lucro e de opulência para um magnata da imprensa que agora poderá comprar um novo convés para o seu iate porque o leitor aceitou pagar nove euros por três meses de informação. As assinaturas são bombas de asma para os meios de comunicação social, muitos perto do sufoco, assegurarem não só os empregos de jornalistas como a existência de uma imprensa livre, logo de uma democracia.

Algumas publicações suspenderam as paywalls durante os primeiros meses da pandemia em artigos relacionados com o assunto, mas extrapolar esse compromisso temporário para todos os artigos que possam ser considerados de interesse público é condenar os jornais a fechar. Se o artigo de determinado jornal é de interesse público, isso é uma razão para assiná-lo e não para censurar a tentativa do jornal de captar assinaturas. Ou seja, a imagem do jornal não pode sair prejudicada por ter feito um bom trabalho e querer que este seja pago, para que possa continuar a reportar sobre temas dessa importância. É a mesma coisa do que chegar a um restaurante e dizer “olhe, desculpe, aqui as imperiais aceito pagar, porque só fazem é mal, mas agora o robalinho de mar escalado é tão nutritivo para mim que acho um escândalo que mo queira cobrar”.

Se um jornal de referência não tiver receitas, o proprietário do jornal terá de gastar mais dinheiro para que ele não vá à falência. E isso pode vir com um preço. Um jornal com dificuldades gritantes de liquidez está sempre mais sujeito a pressões do que um jornal financiado pelos seus leitores. Claro que há quem não tenha dinheiro para uma assinatura, apesar de custar menos do que um café por dia (um café da tasca, não daqueles que o António Rolo Duarte nos cravou). Não censuro quem arranje um PDF de um jornal que não consegue pagar, tal como não censuro quem roube porque está com fome e não tem dinheiro para comer. Os apoios do Estado aos órgãos de comunicação social são um terreno minado, mas apoios do Estado aos leitores, especialmente aos mais jovens e os desfavorecidos, podem ser uma hipótese de recurso, se forem transparentes e altamente escrutinados. É fulcral que a informação seja acessível. Mas é importante que nos foquemos em fazer parte da solução para a sobrevivência da imprensa livre, percebendo a sua importância e que os jornais custam dinheiro. De pouco valerão os artigos de interesse público sem interesse do público.

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