Este homem, candidato à sucessão de Obama na Casa Branca, aparece como um Dom Quixote frente aos moinhos de vento das elites da finança de Wall Street e da política de Washington. A mensagem dele é poderosa para jovens que perderam a esperança de ter esperança e assenta num ingrediente genuinamente americano: “está nas nossas mãos conseguirmos”.

Numa América desde sempre alérgica a qualquer influência marxista e onde falar de socialismo remete para a velha União Soviética, Bernie Sanders assume-se socialista. É facto que está sempre a explicar que entende o socialismo como um modelo social-democrata como o que funcionou nos países escandinavos. Mas ousa propor uma “revolução política” com medidas radicais na América onde prolifera a injustiça social: cuidados de saúde garantidos para todos, estudos superiores gratuitos, investimento maciço na criação de emprego decente, progressividade fiscal e aumento do salário mínimo para 15 dólares por hora. Fica, no entanto em silêncio sobre o divisivo tema da posse por quase todos de armas de fogo.

Bernie Sanders, com a cara cheia de rugas, óculos espessos, cabelo branco, velho leão solitário da esquerda americana, surge nesta campanha americana como ícone do progressismo democrático contemporâneo: ele faz a ponte entre a contra-cultura dos anos 60 e 70 do século XX e os novos movimentos de protesto nascidos com a agitação de Occupy Wall Street. Discursa com grande ferocidade moral. Não deixa de ser agreste com os jornalistas quando estes lhe colocam perguntas que ele considera frívolas. É aclamado pelos apoiantes – que vestem t-shirts onde se lê I love you Bernie, A future to believe in ou Feel the Bern - como se fosse uma estrela rock.

A eleição presidencial nos Estados Unidos decide-se no próximo 8 de novembro. Até ao verão, os dois grandes partidos políticos dos EUA, o Democrata e o Republicano, apuram em primárias, em cada um dos 50 estados, a escolha do seu candidato para a finalíssima em novembro.

É bem provável que o lado republicano (o que se coloca mais à direita, o partido que foi de Reagan e é dos Bush) chegue à convenção marcada para 18 a 21 de julho, em Cleveland, sem que algum dos aspirantes (Trump, Cruz, Rubio, Bush ou outros) se imponha à partida. Adivinha-se que ninguém tenha maioria absoluta de delegados. A ser assim, será uma convenção republicana aberta de resultado muito incerto, como não acontece há décadas.

Há que não menosprezar Donald Trump, o candidato multimilionário com os seus 70 anos disfarçados pela maquilhagem. Ele é, tal como Sanders, um candidato contra o sistema. Ambos estão a divertir-se nesta campanha. E o insurgente Trump, apesar do seu machismo e da rudeza do seu discurso populista e xenófobo, nem será entre os candidatos republicanos o que poderia provocar maior caos se fosse eleito. Os outros não expõem tanto o ridículo mas cultivam mais a divisão.

No campo dos democratas, Hillary Clinton partiu superfavorita: no verão passado, as sondagens davam-lhe mais de 60% das intenções de voto enquanto Bernie Sanders não chegava aos 10%. As primárias começaram neste fevereiro e Bernie Sanders tornou-se a surpresa: empatou com Hillary no Iowa e impôs-se com enorme margem (20%!) no New Hampshire. Sabia-se que Sanders estaria em casa neste pequeno estado próspero no nordeste, mas não se esperava um triunfo tão claro. Uma vitória assim robusta pode fazer embalar o apoio a Sanders, permitir-lhe ampliar a emoção em torno da candidatura e mexer com as previsões favoráveis a Hillary nas próximas duas primárias, no Nevada e na Carolina do Sul. Mas é improvável que Sanders possa resistir ao aparelho de Hillary na “super terça-feira” 1 de março, com 12 eleições primárias. Sabe-se que Hillary tem de há muito vantagem no voto negro e hispânico. Então, a mulher do ex-presidente Bill Clinton tenderá a descolar e a impor-se na corrida do lado democrata.

Tudo ainda pode acontecer, com Bernie a beneficiar de novas formas de mobilização política e de financiamento participativo, mas é pouco provável que sequer consiga aguentar até ao verão um ombro a ombro com Hillary. No entanto, o efeito Bernie Sanders pode ser devastador para a candidata: mostrou como ela tem falta de idealismo mobilizador. Ele, Bernie, aparece como uma pessoa autêntica, imagem que não cola à figura de Hillary, uma acrobata política, uma política de um sistema que gera uma grande vaga de hostilidade.

No meio de toda esta indefinição, pode ainda vir a surgir Michael Bloomberg, o multimilionário liberal, ex-mayor de Nova Iorque, a apresentar-se como o independente, moderado, que consegue atrair e juntar pedaços da América exasperada que não se revê em nenhum dos candidatos. Pode vir a tentar impor-se como o centro de uma América moderna.

Tudo está em aberto nesta eleição do sucessor de Obama. É possível que o impacto da crise de 2008-2009 sobre o imaginário de uma parte da América esteja a abrir uma brecha no ciclo político. Por agora, a estrela é Bernie Sanders.

Voltando ao princípio: seria possível, no actual sistema social português, um homem com 74 anos e que se assume veterano conseguir desencadear uma onda emocional com assim vasta mobilização dos sub-30?

Também a ter em conta

A morte de Antonin Scalia, o falcão mais ultra-conservador entre os nove juízes no Supremo Tribunal dos Estados Unidos abre uma batalha política em que Obama tenta virar a balança do Supremo a favor do lado progressista. Scalia chegou ao Supremo, com nomeação vitalícia, por Reagan, em 1986. Até agora o Supremo americano, comparável a um tribunal constitucional, tinha quatro juízes conservadores, quatro progressistas e um, Anthony Kennedy, cujo voto oscilava entre os dois campos. A escolha pode mudar a decisão política nos Estados Unidos.

O papa Francisco em Chiapas, diante de 100 mil indígenas, pede-lhes perdão pelo modo como são “sistematicamente excluídos da sociedade” e “expostos à cultura que tenta suprimir-lhes a cultura”.

A praia da Salema, no Algarve, entre as melhores do mundo na lista do The Guardian.

Uma primeira página escolhida hoje entre as reproduzidas pelo SAPO JORNAIS. E também esta. E como será a vida futura de tantos milhões de crianças e adolescentes sírios que cresceram a testemunhar a devastação e a fugir ao inferno?

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