No aeroporto, há uns dias, um grupo de surdos mudos embarcava para Itália. Na algazarra típica dos aeroportos, chamadas para o voo internacional XPTO, viam-se pessoas a atropelar pessoas com trolleys desajeitados, crianças a dormir, ou a ser simplesmente crianças, este grupo de pessoas - a maioria adultos, dois casais de meia idade, dois adolescentes - manteve-se perto. E na sua Língua Gestual, formando uma roda, conversava e ria.
Conversar, usando a Língua Gestual, implica também a capacidade de observar o outro. Na expressão facial, no corpo que se movimenta. Na semana passada, a propósito do concerto no Meo Arena de solidariedade para com as vítimas do incêndio de Pedrogão Grande, pudemos assistir, naquele quadrado no canto inferior direito, a uma tradução para Língua Gestual que assumia o ritmo, a música, o entusiasmo. E a dança do corpo e das mãos era simplesmente maravilhosa de ver.
No aeroporto o que mais me comoveu foi perceber que o casal mais velho, mais de 65 anos, não precisa de muito para comunicar, como se os olhos dissessem tudo. Aquela mulher e aquele homem conhecem-se dentro de uma espécie de silêncio que obriga ao reconhecimento permanente do outro. Não se deixam de olhar por um segundo. Não precisam mais do que esboçar algum gesto. Sabem. Conhecem-se. De todos os casais que conheci ao longo da vida, nunca vi nenhum com aquele nível de intimidade.
Dentro do avião, impossibilitados de ouvir os diferentes anúncios sonoros e com tripulação estrangeira (era um avião de uma abençoada companhia low cost) incapaz de os entender, o casal é separado. A senhora para a fila vinte e tal, o senhor deve ficar na fila quatro. Não é possível não ouvir estes pormenores, a hospedeira fala em inglês com sotaque italiano e fala alto. Talvez porque os senhores sejam surdos mudos, o que é ridículo. O senhor recusa sentar-se e tenta, sempre com um sorriso, explicar, aponta para a mulher, para a aliança, para o lugar ao lado. São salvos por um técnico português que fazia um controle qualquer ao avião e estava pronto para sair. O técnico vai ao fundo do corredor do avião, traz a senhora, pede licença ao senhor do lado e explica que é preciso trocar de lugar, "estes senhores não viajam separados".
Pareceu-me justa está frase. O casal sentou-se por fim, fila quatro, lugares A e B. Deram as mãos.
Nota: Artigo corrigido às 13h18 de dia 7 julho para substituir linguagem gestual por Língua Gestual
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