Neste fim de semana, o responsável pelo processo de vacinação deu uma entrevista em que conseguiu validar simultaneamente as crenças de cada uma das facções. Pelo menos, se os membros dos dois lados beligerantes só tiverem lido os títulos.

Como submarinista, o Vice-Almirante está habituado a estar isolado. O mesmo não se aplica às frases que profere. Enquanto um político está treinado para se manter alerta durante uma entrevista, no sentido de despejar soundbites e de evitar oferecer uma citação que prejudique a sua gestão de imagem, um militar não o estará. Gouveia e Melo terá certamente agilidade para salvar toda a sua tripulação do naufrágio após um ataque de um míssil antissubmarino russo no mar Báltico, mas não tem formação para prever que trechos da sua entrevista é que vão parar à homepage dos sites de todos os jornais nacionais. Está habilitado para disparar torpedos, não bojardas.

Nesse âmbito, lamento desiludir todos aqueles que ficaram, por uma razão ou pela oposta, arrepiados com a frase aparentemente fundadora do Gouveia-e-Melismo, "este país levava anos a endireitar". É que, lendo a entrevista, facilmente se percebe que o que é dito está bem mais perto de um desabafo do que de um manifesto. Sim, a palavra ‘endireitar’ pode não soar muito bem e transporta-nos para o universo dos homens providenciais que purgam a pátria dos vícios da democracia, que assusta compreensivelmente.

Mas atenção: é uma pergunta-resposta sobre a logística do ministério da Saúde. Claro que, se o Frank Sinatra da inoculação fosse político, teria dito algo do género "a generalidade da distribuição de competências na extensão do território nacional deve ser repensada estratégica e operacionalmente, num processo abrangente projetado para o horizonte do futuro a médio-longo prazo" e poupava-se à polémica. Mas não é. A não ser que o empurrem para isso. E atenção que o homem é da Marinha: sabe reconhecer vagas de fundo.