Ser português é pedir um ramo de salsa ao vizinho e ficar lá meia hora a conversar, embora ser português seja morar num prédio em que não se sabe o nome de nenhum dos vizinhos e nem temos a certeza se seguramos a porta para aquela pessoa que vai a entrar e se mora lá ou é o carteiro. Ser português é falar alto na rua e nos restaurantes sem notar e dizer que os espanhóis é que fazem um basqueiro que não se pode. Ser português é ter o melhor jogador de futebol do mundo e não gostar muito dele até vir alguém de fora criticar. Ser português é comentar este texto a dizer que o melhor jogador do mundo é o Messi. Ser português é ter na guelra o sangue quente arrefecido por uma ditadura. Ser português é revoltarmo-nos quando ouvimos alguém dizer que o que faz falta é um Salazar. Ser português é eleger Salazar como o maior português de sempre. Ser português é gritar no trânsito “Parto-te a boca toda”, mas depois fazer revoluções poéticas, ao som de música e de cravo na mão. Ser português é comer chouriço assado na lareira com mais prazer do que ir ao restaurante gourmet. Ser português é fecharem-se tascas para abrir hotéis boutiques e lojas de conservas para turistas. Ser português é passar anos a dizer que Portugal devia apostar mais no turismo. Ser português é queixarmo-nos que há turismo a mais e que as rodinhas dos trolleys fazem muito barulho.
Ser português é estar na esplanada a ver a bola à beira mar plantados. Ser português é ter orgulho em sê-lo mesmo quando se diz o contrário. É ir lá fora e falar de fado, da comida, da praia, de tudo o que nos orgulhamos quando temos saudades. Ser português é ter saudades e acreditar no mito de que essa palavra só existe em português e que é intraduzível. Ser português é dizer que ninguém faz sopas como a avó nem arroz doce como a mãe. Ser português é ser nostálgico mas ter amnésia selectiva de 4 em 4 anos e queixar-se que está tudo na mesma.
Ser português é improvisar. É encontrar caminho sem perguntar. Ser português é pedir indicações e ter logo a ajuda de vários desconhecidos. Ser português é dizer "a ver se combinamos um almoço", mesmo quando sabemos que nunca mais vamos ver aquela pessoa. Ser português é ter os melhores lá fora porque é lá fora que se faz o melhor. É ter emigrantes forçados, empurrados e sem querer. Ser português é ter o mar no horizonte e nunca olhar para terra, é seguir em frente até o mar acabar. Ser português é dizer que temos uma história grandiosa embora não saibamos metade dela. É dizer que Saramago é um grande escritor sem nunca ter lido um livro dele. Ser português é ter o nosso passado dos Descobrimentos como o único motivo de orgulho e, por isso, ficar chateado quando nos dizem que, se calhar, fomos um povo que fez muita merda. Ser português é dizer asneiras e ensiná-las aos estrangeiros de sorriso rasgado enquanto dizemos que querem dizer “obrigado” e “se faz favor”. Ser português é dizer “Ninguém gosta da primeira cerveja que experimenta”, enquanto se pede a décima numa tarde de sábado.
Ser português é achar que ser advogado ou doutor é melhor do que ser pasteleiro ou agricultor, mas gostar mais de bolos e batatas do que tribunais e hospitais. Ser português é bater palmas à janela pelos profissionais de saúde e em seguida refilar se eles fazem greve por melhores condições de trabalho. Ser português é ser reivindicativo, especialmente contra a reivindicação dos outros. Ser português é ser de brandos e bons costumes, mas andar à porrada por causa de futebol ou lugares de estacionamento. Ser português é acelerar e ficar chateado se se é multado. É não pagar estacionamento e achar que o gajo da EMEL é que é um atrasado.
Ser português é sentir orgulho na garganta mesmo com a pressão do nó de forca que nos traçaram. Ser português é apertar o cinto, mas andar de rego à mostra. Ser português é dizer mal, mas ai de quem diga mal e não seja português. Ser português é não ser patriótico, mas sentir os olhos aguados ao ouvir o hino. É dizer que é o mais bonito de todos. É meter uma bandeira na janela, por muito piroso que isso seja. Ser português é gritar pela selecção, mesmo durante os anos que não se ganhou nada. Ser português é vencer um Europeu de Futebol e queixarmo-nos a dizer que não jogámos nada e só soubemos empatar. Ser português é não saber aproveitar quando as coisas nos correm bem porque achamos que o fado da má sorte é uma característica nossa.
Ser português é queixar-se de corrupção e eleger novamente corruptos condenados. Ser português é fugir aos impostos sempre que der, porque é cada um por si e todos fazem o mesmo. Ser português é ter Amália na voz mas ter medo de cantar alto pelo que os outros possam pensar. É comer sardinha no pão, chorar com o fado e rir com o pimba. É dançar nos bailaricos, porque quem dança seus males espanta. Ser português é ser eclético, de Saramago a José Rodrigues dos Santos e de Carlos do Carmo a Tony Carreira. Ser português é dizer vai-se andando, é a vida, nunca pior. Ser português é ser pessimista quando as coisas estão boas mas optimista quando estão más. Ser português é viver acima das possibilidades até no tamanho da nossa alma, que não é pequena.
Ser português é reutilizar este texto que escrevi há uns anos e adaptá-lo porque está sol e deu moleza de trabalhar. Ser português é fazer textos a resvalar para o parolo a puxar ao sentimento fácil só para ter partilhas na Internet. Ser português é chegar atrasado mas de peito levantado e mesmo achando que o patriotismo é uma treta dizer-se com orgulho que se é de Portugal e ficar ofendido quando pensam que é uma província de Espanha. Isso é que não! É Portugal, caralho! Um paraíso mal gerido e governado, mas com o mar como tapete de entrada e sol a entrar pela peneira furada, que nos aquece o corpo e a alma e que esperamos que não nos dê melanoma. E se der, vamos à praia ao meio dia na mesma, de protector, geleira e sandes de ovo mexido com salsicha e cinco chapéus de sol para conquistarmos o areal e o reclamarmos como nosso.
Para ver: Side effects
Para ir: Stand-up comedy em Setúbal, dia 4 de Julho. Informações neste link.
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