O atual impasse político alemão é, em parte, a consequência da erupção de mais uma força política no parlamento de Berlim, os neo-fascistas do AfD, que receberam em setembro mais de cinco milhões de votos, representando 12,6% do eleitorado. Obviamente, uma força que nenhum partido tradicional aceita ter por parceiro. Mas que foi buscar eleitores a todos: a CDU/CSU, de Merkel, em quatro anos, caiu de 41,5% para 33% e o SPD caiu cinco pontos e com 20,5% teve o pior resultado de sempre para a social-democracia alemã. Vale acrescentar o peso eleitoral dos outros partidos nas eleições de 24 de setembro passado: FDP (liberais, à direita): 10,7%; Die Linke (esquerda socialista): 9,2%; Grune (verdes, centro-esquerda):8,9%.
Merkel pagou nas eleições e está a pagar o preço da coragem que teve ao tomar a impopular medida de abrir as portas da Alemanha aos refugiados. Em 12 anos de mandato, a chanceler tornou-se a figura política mais poderosa na União Europeia. Muitas vezes criticada – designadamente pelos países do sul, pelas suas políticas de dura austeridade -, Merkel tornou-se personagem fulcral para o equilíbrio da Europa.
A chanceler impôs-se como a única estadista credível no topo da Europa. Tem sido ela quem, com autoridade, responde a Trump, a Putin a Xi Jinping ou a outros. Foi ela quem deu luz verde ao presidente do BCE, Mario Draghi, para ativar uma política monetária que possibilitou o financiamento para o relançamento económico da Europa. Tem sido ela quem, com Macron, lidera a resposta europeia ao Brexit britânico.
A “mutti” (a mãezinha, como também é conhecida pelo estilo maternal), parecia estar para durar na liderança. Nunca apareceu alguém forte na linha de sucessão. Agora, a crise política e a incerteza no país mais determinante na Europa significa uma debilidade – temporária – para a Europa. Os britânicos pelo Brexit já estão a celebrar esta turbulência do lado europeu.
É facto que Merkel é acusada de governar em absolutismo e de ser pouco inspiradora. Tem uma previsibilidade que corta a surpresa criadora. O seu método pacientemente pragmático, híper-racional, quase científico, não produz grande química com muita cidadania. Há quem a responsabilize por muito imobilismo europeu.
A audácia que revelou na crise dos refugiados elevou-a ao estatuto de estadista. Vai continuar na liderança? É de admitir que o recurso a novas eleições mantenha ou até agrave os impasses aritméticos do voto de há dois meses.
O Conselho Europeu de dezembro tem sobre a mesa a política de apoio aos migrantes. A Polónia e a Hungria são ativamente hostis às medidas – já em fase restritiva – de acolhimento impulsionadas por Merkel. Com Merkel debilitada, vem aí uma Europa mais fechada nos diferentes nacionalismos internos? E o que vai acontecer à reforma financeira da Europa liderada pelo par Merkel/Macron?
O que vem a seguir é um compromisso político que não está à vista ou uma renhida campanha eleitoral? O que vier a acontecer em Berlim – o futuro próximo com ou sem Merkel – diz-nos respeito a todos. Anunciam-se tempos de incertezas.
Também a ter em conta:
Falta um mês para as eleições na Catalunha e as sondagens sugerem que tudo vai continuar na mesma. Alguém vai conseguir pôr todas as partes a discutir o modelo de estado espanhol e o encaixe da Catalunha – e dos outros países dentro da Espanha?
Está a chegar ao fim a presidência de Michelle Bachelet, no Chile. A América Latina volta ao antigo padrão: passa a haver apenas homens (também já saíram Dilma Rousseff e Cristina Kirchner) na liderança. No caso do Chile, a primeira volta das presidenciais trouxe surpresas e, afinal, o candidato da direita está acossado pelo de centro-esquerda.
Um filme (no The New York Times) da vida na América: a filha licencia-se, o pai enfrenta a deportação.
Três primeiras páginas escolhidas nesta terça-feira: esta, esta e esta.
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