Vamos censurar uma exposição de um artista cuja obra é abundantemente conhecida? Obra cujo teor polémico tem sido amiúde debatido pelo mundo? Vamos limitar a entrada, porque - Deus proíba - há quem vá ver uma exposição com crianças de seis anos a Serralves sem se informar sobre o que está exposto? Talvez existam famílias assim, claro. Num mundo de tecnologia em permanente vertigem de informação, sendo o sexo acessível com enorme facilidade (olá sites pornográficos gratuitos), como é que nos atrevemos a fiscalizar a arte? O que é a arte senão o derrubar da norma para ver o avesso das coisas? E se a arte explora o sexo desde sempre - historicamente é fácil de comprovar - por que carga de água é que agora nos dá para oferecer vendas para os olhos e estipular que o visitante de um museu tem de ser “moralmente” guiado?
A história da suposta censura em Serralves à exposição do artista norte-americano Robert Mapplethorpe (1946-1989) é uma trapalhada de todo o tamanho. Certamente que existem bastidores negros, pormenores que nunca chegarão ao grande público. O dito e o não dito: a entrevista da antiga ministra da cultura, Isabel Pires de Lima, ao Expresso; as declarações do director artístico e curador demissionário, João Ribas, ao Público. Acresce: pequena manif para destituir a administração composta por Ana Pinho (Presidente), Manuel Cavaleiro Brandão (Vice- Presidente), Manuel Ferreira da Silva (Vice-Presidente); Isabel Pires de Lima (Vice-Presidente); Vera Pires Coelho; Carlos Moreira da Silva; António Pires de Lima e José Pacheco Pereira.
A administração que começou por reagir laconicamente, a seguir corrige o tiro (ontem em conferência de imprensa, a mesma administração declarou que nunca houve censura em Serralves e que as decisões foram todas da responsabilidade do curador). O curador e director artístico demissionário (então, o homem demite-se mas vai ao vernissage?!) apresenta a sua demissão por email. Porquê? Os membros do Conselho de Administração dizem que não sabem.
Também achei graça ao director do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, António Filipe Pimentel, que comentando a polémica achou por bem dizer-nos que a Fundação Serralves tem mais apoio do Estado que a maioria dos museus (“Só em Serralves [o ministério da Cultura] investe mais que em todos os museus públicos nacionais”), ou seja, 40% do financiamento da Fundação Serralves é proveniente do orçamento do Ministério da Cultura. Para quem não se recorde, o orçamento para a Cultura não chega sequer a um por cento do Orçamento de Estado. Sobre este facto – não tenho porque não acreditar nas declarações de António Pimentel – não me recordo de ler mais uma linha sequer. Mas não ficamos por aqui.
Lúcido, o director do Museu Nacional de Arte Antiga explicou que em Serralves, na exposição da Colecção Sonnabend, esteve exposta uma fotografia da artista porno Cicciolina. Não se tratava, como é bom de ver, de pornografia, era arte.
Conclusão? Uma telenovela para apimentar a nossa existência, é certo. No fim, o artista – exposto em Portugal várias vezes em anos anteriores, mesmo que não numa retrospectiva de obra – ganhou: as visitas a Serralves foram muitas, mais de seis mil pessoas em quatro dias. Vamos lá ver o que é isso de sexualmente explícito e chocante? Vamos, mas olhem que é arte, só isso, arte. O resto é politiquice e intriga.
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