Permito-me hoje uma reflexão mais pessoal, uma leitura do tempo – respirado e refletido, a pensar o país que somos hoje e o país que, coletivamente, queremos ser. Não estamos a ir no bom caminho, parece-me. Há riscos que estamos a criar porque os estamos a inventar como se nada mais tivéssemos que fazer. Como não temos notícia a dar, incendiamos a casa e, em vez de apagar o fogo, alimentamo-lo e acicatamo-lo. Faz-nos falta uma imprensa mais sólida, para podermos ter mais direitos humanos, para termos acesso a melhor informação.

Há pouco mais de dois anos, António Costa reforçou-se como primeiro-ministro com uma maioria absoluta. Esta foi, em parte, explicada pelo não posicionamento de Rui Rio, presidente do PSD na altura, se se juntaria ou não ao partido Chega depois das eleições. Muitas eleitoras e eleitores terão receado que um seu voto servisse para alianças com um partido extremista e por isso não votaram PSD.

Na altura, o Presidente da República avisou que a vitória de António Costa era sobretudo pessoal e que convocaria eleições antecipadas caso este saísse do governo [para outros voos]. Em novembro de 2023, António Costa demitiu-se, saindo do governo e o Presidente da República foi coerente com o que tinha afirmado em 2022 e convocou novas eleições.

O atual presidente do PSD, Luís Montenegro, afirmou sempre que não se juntaria ao Chega. “Não é não” repetiu várias vezes. “Não.”, é uma frase por si só e que não tem azo a dúvidas de interpretação.

Como sei estas coisas? Pela imprensa.

Sem imprensa, não temos informação sobre o que se passa. Sem imprensa, não temos democracia, não temos informação fidedigna, não temos como escrutinar os políticos. Não temos dados para tomar decisões, para refletir o nosso voto, para confiar em alguém que nos represente e dê ação ao mundo em que acreditamos.

Um jornalismo imparcial, rigoroso e responsável é uma ferramenta fundamental para garantir a proteção dos direitos humanos, e é pedra basilar para uma democracia reforçada e saudável. Um jornalismo forte é o quarto poder, o garante e o farol do cumprimento dos Direitos Humanos, dos Direitos Fundamentais.

Sem jornalismo estamos à mercê da mentira, dos charlatães, dos que dizem qualquer coisa para conseguirem ir para o poder, dos que atacam e difamam qualquer um que lhes faça frente.

Tem sido perturbador ver o espetáculo a que temos assistido nesta semana pós-eleitoral. André Ventura e os do seu grupo desdobram-se em esforços para bradar alto – qual birra para chamar à atenção - que têm de fazer parte do poder. E vão esbaforindo chantagens nesse sentido: querem aprovar ministros, querem negociar programas, querem negociar orçamentos, querem poder. Como se diz nos sítios onde estão à vontade: “querem tachos”.

Mas a democracia não funciona assim. Não funciona com birras e chantagens. A política é a nobreza de procurar o bem comum, é a arte dos consensos, é a voz de todos e de todas as pessoas que votaram. Não há imposições. Essas, são próprias de uma ditadura.

Não é inédito em Portugal um governo exercer o poder com uma maioria relativa e cumprir a sua palavra. Se Luís Montenegro como vencedor das eleições for indigitado primeiro-ministro e falhar com o que cumpriu, muitos não votarão uma segunda vez em quem não é coerente com a sua palavra. Alterar os pressupostos com que venceu as eleições não é correto e aí só nos poderão valer as instituições de equilíbrio de poderes que nos garantem a democracia. Não contando com o governo, nem com o Parlamento. Teremos ainda a Presidência da República e o quarto poder: a imprensa.

Necessitamos de aceitar a democracia, de respeitar o seu tempo. De dar oportunidade a quem venceu de formar governo. De dar oportunidade a quem perdeu, de ser oposição. É o normal funcionamento da democracia.

No Parlamento, o debate deve ser o do confronto das soluções; no governo, o do trabalho e iniciativa. Que todos façam a sua parte e, quando não for possível continuar, votaremos de novo e aqueles que empatarem o país, pagarão o preço nas urnas.

O país tem o seu tempo, o do bom senso. A política tem outro tempo, o do cálculo. Nenhum deles está parado.

Porquê então todo este alarido à volta do partido que ficou em terceiro lugar? 

Preocupa-me muito ver uma imprensa que vá atrás da birra, que lhe dá voz e sonoridade. Preocupa-me que o mediatismo leve muitas vezes ao colo o extremismo. Gritar não é notícia. Vale assim tanto o soundbyte, o clickbite, o dislate?

Também é necessário que a imprensa reconheça o peso da responsabilidade das suas escolhas, que seja imparcial e respeitadora dos direitos humanos quando seleciona os temas a tratar e as vozes a quem dá palco, e que esta seleção tenha em conta os direitos humanos daqueles que ouvem, veem e leem essa informação, que não seja uma seleção orientada pelo peso das audiências.

Não se pode esperar um impacto positivo para os direitos humanos e democracia, quando existe um predominante destaque a vozes antidemocráticas.

O Partido Chega e muitos nele têm telhados de vidro. Um jornalismo de investigação forte já teria esclarecido os meandros do seu financiamento, a sugestão dos seus favores, as agendas ocultas por de trás da agenda.

Os direitos humanos são ameaçados quando não existe alternativa e recursos que assegurem uma imprensa livre, capaz de analisar, questionar e responsabilizar os atores políticos. Em Portugal, temos visto como a insustentabilidade financeira da imprensa tem tido um impacto severo e dificultado o escrutínio do poder, impedindo que o jornalismo se afirme plenamente como pilar fundamental da manutenção da democracia e dos direitos humanos, como deveria.

A importância de um jornalismo credível e rigoroso ganha peso, em especial quando ainda existe em Portugal algum problema com a literacia mediática, na medida em que muitas pessoas não sabem distinguir entre a veracidade de um conteúdo publicado nas redes sociais e um conteúdo verificado de um órgão de comunicação social. 

Se existe uma preocupação social para que as pessoas verifiquem as fontes da informação que lhes chega e para que não difundam conteúdos sem terem a certeza de que são fidedignos/verídicos, por outro lado é também imperativo que estes valores do rigor, imparcialidade e confirmação das provas seja constante no trabalho jornalístico enquanto serviço público essencial.

Estamos quase a celebrar 50 anos de democracia. Ela precisa de todos para continuar. Só a mentira a pode destruir. Desarmemos, portanto, os que mentem como escadaria para chegarem ao poder, ao “tacho”, os que mentem e prometem tudo para enganar os eleitores e eleitoras.

Só a verdade nos liberta e há muitas forças antidemocráticas que têm muito medo dela.