A candidata tinha preparada uma frase de demarcação das críticas à gestão dos últimos quatro anos: “Não sou Biden”. Neutralizou assim as interpelações sobre não ter feito o que promete ir fazer.
Não houve KO como no debate de 27 de junho que levou à retirada de Biden e o debate não fica na história iniciada com aquele duelo de 1960 entre Kennedy e Nixon.
Foi um choque total entre duas visões opostas: a que vê a América falida, em declínio, refém de bandos de migrantes criminosos, em risco de cair numa III guerra mundial atómica (o horizonte de Trump, que apontou como amigo exemplar o húngaro Orbán, amigo de Putin), e a visão que confia, que recusa ver os vizinhos como inimigos por mais que discorde deles, e que integra uma geração que quer virar a página para entrar no futuro com esperança (“uma economia de oportunidades”) e não regressar ao passado (a perspetiva de Kamala).
Há a novidade de, desta vez, Donald Trump ter sabido conter-se e evitado os insultos diretos. Terá assumido que essa tática iria mobilizar o apoio a Kamala por parte de mulheres, afroamericanos e parte do eleitorado latino. Mas não deixou de a apontar como “marxista, filha de um professor marxista” na América que está a vender o país “aos chineses e aos imigrantes”.
Sobre os temas de política internacional, de Gaza à Ucrânia, pouca novidade. Kamala Harris ainda não tinha sido clara mo acrescentar ao “direito de Israel à segurança” o dever de convivência, “em dois Estados”, com os palestinianos. Kamala enfatizou o valor da “dinâmica atlântica”, a parceria com os europeus e o papel da NATO, “a aliança de maior sucesso na Humanidade”. Trump repetiu que, com ele na presidência, nem a Rússia teria ousado atacar a Ucrânia nem o Hamas lançaria o ataque de 7 de outubro. Trump pôs Kamala em dificuldade com as acusações sobre a retirada precipitada dos EUA de Cabul, deixando o Afeganistão nas mãos do totalitarismo talibã.
O debate não foi abundante em troca de argumentos. Cada um dos candidatos preferiu seguir pelo corredor da exposição dos seus argumentos. O aborto foi uma exceção, com Kamala a colocar Trump em apertos.
O formato do debate, que não permitiu o caos de uma voz em cima da outra, favoreceu o esclarecimento. A condução, excelente, pelos jornalistas David Muir e Linsey Davis, capazes de fazer fact checking em voo, ao instante, também contribuiu muito para que este debate tenha corrido bem, apesar de sem momentos decisivos.
Aconteceu uma novidade, um gesto, logo no início: os adversários apertaram as mãos, o que nunca tinha acontecido nos debates dos últimos oito anos, de Donald Trump com Hillary Clinton e com Joe Biden. A surpresa partiu, deliberadamente, de Kamala Harris que se aproximou de Donald Trump para lhe desejar (ouviu-se através do microfone aberto à captação) “um bom debate”. Trump correspondeu: “prazer em vê-la”.
Mas, logo a seguir, Kamala abriu a troca de argumentos em modo enérgico, confiante. Falaram sobre economia, imigração, delinquência, respeito pela democracia, aborto, o estado do mundo. Sempre com visões opostas, cada candidato pelo seu caminho, com raro confronto direto inflamado.
Kamala Harris soube aproveitar bem a oportunidade para se dirigir aos eleitores moderados e apelar ao voto deles. Donald Trump soube aguentar-se, forçado a estar à defesa e sem conseguir a habitual prática de insultar a adversária.
Fica a vontade de seguir um outro debate entre ambos no decurso destas sete semanas que levam às eleições. Grande parte dos eleitores indecisos ainda continuará com dúvidas.
A impressão de que, desta vez, Kamala Harris esteve melhor do que Donald Trump é corroborada pela sondagens. Mas não houve KO.
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