Tinha uma maneira só sua de viver. Era desassombrada e alegre. Gostava de coisas criativas – pedia aos seus convidados para levarem coisas para ler, por exemplo –, e nunca parava de inventar o que fazer, preferencialmente coisas boas. Leonor Xavier perdeu a sua luta contra o cancro e morreu esta segunda-feira. 

Tinha 78 anos de idade e é justo dizer que foi cedo de mais, que todos nós precisamos muito de pessoas como ela, cada vez mais raras. Há cerca de um mês, reuniu uns amigos em casa e celebrou a vida, o dia radioso de sol. Era mulher capaz de rir às gargalhadas – ou não tivesse ela vivido tantos anos com Raul Solnado –, e de cumprir as promessas feitas às amigas. Era generosa e tinha talento para viver. 

Nem todas as pessoas têm talento para viver, para apreciar as coisas da vida e para acreditar. Leonor, católica assumida, era uma mulher para quem a dimensão espiritual fazia toda a diferença. Acredito que quem acredita em Deus é muito menos solitário. Leonor falava da sua fé com à-vontade, respeitando tudo o que as outras pessoas lhe devolviam. Podia concordar que discordava, mas fazia-o com elegância. 

Gostava do lado prático das coisas e olhava para o mundo com os olhos de jornalista-escritora, curiosa, interessada pelos outros, capaz de observar e de reter a essência do que observava ou da pessoa que entrevistava. 

Ao longo dos anos cruzei-me com a Leonor várias vezes. Convivemos, convidou-me para participar num dos seus livros, partilhámos risos e histórias. Muitas pessoas homenagearam a Leonor, contando episódios que testemunham a sua generosidade, a sua forma de estar. Sobretudo, comprovam que olhava para os dias como sendo únicos – talvez por isso se possa dizer que a sua vida foi vivida. Quantos de nós vivem a vida ao lado? O exemplo da Leonor fica connosco e, se tudo correr bem, talvez possamos aprender com isso.