É costume Budapeste ser um destino a ter em conta quando se organiza uma despedida de solteiro, porém, no âmbito do matrimónio institucional português, a capital magiar parece antes ter sido o local escolhido para Marcelo Rebelo de Sousa celebrar a sua despedida de casado. Numa altura em que, com tanto os casos como a percentagem de vacinados a aumentar, a situação pandémica volta a ser ambígua (reagir ao “está tudo bem” ou ao “está tudo mal” é fácil. O que trama tudo é o “está tudo genericamente bem, mas a correr bastante pior”), a medição de órgãos de soberania não era propriamente a competição a que tencionávamos assistir durante o mês de Junho.
Marcelo decidiu que não se volta atrás no desconfinamento. Costa disse que ninguém, nem mesmo (ou muito menos?) o Presidente da República, pode garantir isso. Na capital húngara, perguntaram a Marcelo se sentia desautorizado. Marcelo, aproveitando estar numa das cidades europeias mais habituada à guerra, escalou o conflito. “Por definição, o Presidente nunca é desautorizado pelo primeiro-ministro. Quem nomeia o primeiro-ministro é o Presidente, não é o primeiro-ministro que nomeia o Presidente”. Pronto. Está o goulash entornado.
Se o que Marcelo quer dizer é que não se voltará ao confinamento como aquele que foi decretado em Janeiro, a polémica é inexistente porque essa realidade é consensualmente considerada como irrepetível, devido ao avanço da vacinação. Se o que Marcelo quer dizer é que não permitirá um recuo nas fases de desconfinamento, como é possível que aconteça no concelho de Lisboa, está a lançar as bases para uma crise institucional. Quando o Presidente diz que “o país não é governado por especialistas” e que a função dos cientistas é dizer “não se esqueçam”, está a rever a sua leitura dos poderes presidenciais e a preconizar uma espécie de regime semi-negacionista. Mas o que é certo é que a atitude do Presidente vai ao encontro da posição política de uma boa parte dos portugueses, que é definida pela expressão “fartinho disto tudo”.
Mas mais do que farto deste governo, Marcelo parece estar farto de que o PS não tenha oposição. Até o próprio PS deve estar incomodado com a falta de alternativa. O ciclo noticioso da polémica dos dados dos manifestantes culminou com o momento de Carlos Moedas na TSF, que entra, não propriamente nos anais da política portuguesa, mas na Antologia Nacional de Ocorrências de Cringe 2020-2030. A seguir, veio o Arraial Liberal, que pôs os partidos à direita do PS a discutir uns com os outros. A contestação ao governo nunca ganha elã, as críticas ao partido no poder têm sempre esmorecido: no Inverno, esbarram na necessidade de união para enfrentar o pior momento da crise pandémica; no verão, morrem na praia dos eventos de uma antecipada silly season, onde a direita se comporta como um adolescente desengonçado correndo atrás de um guarda-sol que o vento levou. Marcelo quis ser o corajoso pai de família de tronco nu que impede agilmente a marcha do objeto.
O novo ciclo político promete mais birras. Costa é primeiro-ministro há seis anos. Marcelo, presidente há cinco. Os primeiros-ministros nunca duraram mais de 10 anos no poder. Os presidentes, nem que sequer poderiam fazê-lo. No máximo, estão a meio do seu percurso conjunto. Todos sabemos o que é que estas fases da vida trazem. "Ah, estou farto disto!" "E eu fartinho de ti!" "Não voltas a fechar o país" "Nunca fizeste nada e estás agora a mandar bitaites?" "Olha, quero lá saber, vou com os meus amigos para Budapeste"; "Força, vai e não voltes". Aguentemos. É a crise da meia-idade política.
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