O Hamas já deve estar pronto para aderir ao cessar-fogo conjunto, porque já conseguiu os objetivos pretendidos: mostrou que ampliou a capacidade militar para atingir Israel e, sobretudo perante os jovens de Gaza e da Cisjordânia, assumiu, na falta de eleições, a liderança política da Palestina que a esclerosada Autoridade Nacional Palestina (ANP) deixou que tivesse caído, nestes últimos sete anos, na irrelevancia internacional, com a consequência de a solução “dois Estados, Israel e Palestina” ter caído para a gaveta dos dossiês abandonados.

Do lado israelita, há sinais de que os mandantes políticos e militares ainda não se consideram prontos para parar esta oportunidade para enfraquecer o Hamas. Parece evidente que o cenário de invasão terrestre de Gaza está fora de hipótese. Levantaria tensões com consequências inimagináveis. Mas Israel quer chegar à trégua em posição de força, embora os comandos militares já devam ter percebido que não conseguem eliminar a infraestrutura militar do Hamas.

Há várias questões novas neste processo Israel/Palestina, para além da passagem do Hamas para a frente do palco das lutas da Palestina:

  • Deflagraram tensões comunitárias em cidades onde até agora cidadãos judeus e cidadão árabes viviam em harmonia. Em cidades como Lod, Jaffa e Haifa a convivência passou a estar em causa porque parte da cada vez maior população árabe (mais de 20% dos residentes nestas cidades) sentiu que a origem palestiniana estava a ser hostilizada e, apesar de todos terem passaporte israelita, houve ataques a interesses do vizinho, com ataques de árabes a sinagogas, ataques de judeus a mesquitas e de uns e de outros aos restaurantes dos outros. As feridas estão abertas e não se sabe como irão cicatrizar.
  • A Turquia, de Erdogan, que até estava em processo de conciliação com Israel, pôs-se à cabeça do apoio externo ao Hamas. Este envolvimento garante que a questão palestiniana recupera alto nível emotivo-propagandístico no mundo muçulmano e, portanto, na agenda internacional.

Por agora, questão principal a apurar é a de saber se esta nova tragédia na Terra Santa pode ser o ponto de partida para um processo de paz, ou se foi apenas um grande incêndio à espera do próximo. Parte da resposta passa pela administração dos Estados Unidos.

É incerto que Biden queira dar prioridade político-diplomática a um processo que ele bem sabe ser muito complexo e cheio de armadilhas. Biden era vice de Obama quando o então chefe da diplomacia dos EUA, John Kerry, tentou tudo para conseguir voltar às bases do acordo que Clinton tinha lançado a envolver Israel e a Palestina. Kerry não conseguiu e desde então, em 2014, a questão palestiniana foi arrumada numa gaveta da diplomacia e, ao mesmo tempo, perdeu estatuto a ideia de “dois Estados, Israel e Palestina”. 

A complicar a possibilidade de envolvimento de Biden está a questão da liderança do lado palestiniano. Formalmente quem lidera é a Autoridade Nacional Palestiniana (ANP), mas que perdeu toda a autoridade, ninguém na palestina dá algum crédito à presidência de Abu Mazen, que tem 85 anos, está no cargo há 17, sempre a perder influência e respeito.

Ficou tudo ainda mais complicado com o adiamento das prometidas eleições palestinianas, marcadas para 22 de maio, mas adiadas a pretexto de que Israel não consentia urnas para voto em Jerusalem Leste. Este argumento encobre o verdadeiro motivo para o adiamento: a certeza que a ANP perderia o poder, que passaria para o Hamas.

O Hamas nasceu em 1987 como braço palestiniano da Fraternidade Muçulmana e alternativa islamita à Fatah de Arafat.

O Hamas não está minado pela corrupção que gangrenou a Fatah e a ANP, mas o programa do Hamas continua no passado de intolerância, reclama a destruição do estado de Israel, substituído por uma república islâmica. Fica aqui inviabilizada a negociação formal entre os Estados Unidos e o Hamas. Ao mesmo tempo é claro que a questão palestiniana não se resolve sem o Hamas.

Mas há mediadores que podem envolver-se.

A Turquia, tal como o Qatar, são os principais apoios do Hamas, para além do Irão que trata essa cumplicidade em estratégico silêncio.

Israel passou a ter, com os Acordos de Abraão propostos por Trump, ligação cordial e partilha de interesses com o mundo árabe sunita, encabeçado pela Arábia Sunita e pelos Emirados, todos ferozmente anti-Irão.

O Egito pode abrir a negociação de uma solução com um lado e com outro. A Europa também tem uma oportunidade para, finalmente, ter um papel na negociação de compromissos que possam significar paz.

A negociação, se for possível, será necessariamente demorada e há quem entenda que só vai poder ter êxito com nova geração de lideranças.

Uma oportunidade pode passar por um homem que cumpre pena de prisão perpétua numa cadeia israelita, Marwan Barghouti. É o líder mais considerado pela rua palestiniana. A imagem dele está pintada em murais na Cisjordânia, aparece com os pulsos algemados, com as mão sobre a cabeça e a compor com os dedos o V de vitória.

Um respeitado comentador israelita, Gideon Levy, comentava há mês meio no diário Haaretz: “Barghouti representa a única opção que inspira esperança ao moribundo povo da Palestina e ao cadáver do processo de paz”. Esta opinião vinda de dentro de Israel lembra que Mandela também estava condenado a prisão perpétua, foi libertado, ganhou eleições e tornou-se inspiração para todo o mundo.

O apoio a Barghouti está confirmado em sondagens na Palestina: impõe-se por larga margem ao atual presidente da ANP e a qualquer dirigente do Hamas.

Com Barghouti na liderança voltaria a haver um interlocutor, com fé democrática, no comando da Palestina. Talvez seja a possibilidade de esperança a ser explorada nestes próximos anos. 

Porque o seu tempo é precioso.

Subscreva a newsletter do SAPO 24.

Porque as notícias não escolhem hora.

Ative as notificações do SAPO 24.

Saiba sempre do que se fala.

Siga o SAPO 24 nas redes sociais. Use a #SAPO24 nas suas publicações.